São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Liquidação até o final do estoque


Bancos no brejo, dólar em alta, petróleo em baixa, PIBs também e Wall Street em liquidação asfixiam Bovespa

O DESTINO das ações na Bovespa parece um assunto muito menos distante do que a estatização de instituições financeiras nos Estados Unidos, ao menos para aquela estreita camada da população brasileira que nem é tão rica para ter preocupações mais complexas e nem tão pobre, como quase todos, que se dedique mais a coisas como o preço do frango. Mas, se houve um motivo mais específico, pontual e novo para mais um dia de degradação das ações brasileiras, a explicação está no risco de mais uma instituição financeira americana ir à breca. De resto, não há muito mais novidade: a liquidação financeira continua por vários outros motivos, e as commodities perdem valor.
O massacre financeiro de ontem foi global, mas o sangue correu mais de empresas que lidam com petróleo, bidu. Foi assim na Rússia ou nos EUA. Dólar em alta e evidências crescentes de recessão derrubam o preço do petróleo, mas também matérias-primas do crescimento, como aço. Os coreanos, grandes no aço, disseram ontem que o mercado vai mal. Aço é feito de ferro e níquel.
Embora os preços da Vale estejam ótimos, a empresa entra na dança como coadjuvante um tanto involuntária da Petrobras. No Ibovespa, o índice principal da variação de valor da Bolsa, Petrobras e Vale pesam 35%. Siderúrgicas pesam uns 11%. As safras de grãos e previsões de estoques de comida melhoraram um pouco, pois os produtores responderam à explosão de preços. Isso não bate diretamente na Bovespa, mas é perfeitamente adequado para o discurso-manada do momento: "Vendam ativos de países-commodities". Etc., etc., o leitor deve estar já cansado de ouvir tal explicação.
Enfim, alguns "fundamentos". A campanha de alta de juros do Banco Central deve andar ainda pela metade. Por isso e outras coisas mais, o Brasil deve crescer menos daqui em diante, até 2009, pelo menos, o que esmaece ainda mais o colorido desbotado da Bovespa, a 48.000 e caindo. Para piorar, não só o dólar sobe em disparada, contra o real e quase todas as moedas do mundo, como a expectativa de desvalorização do real tem aumentado devido a fatores "domésticos", o que não torna os ativos brasileiros mais atraentes. Isto posto, diga-se que a economia brasileira não é a Bovespa. Apesar da turumbamba mundial, o Brasil segue ainda meio forte e sacudido.
Mas, para completar, cabe um lembrete anedótico e singelo, digamos. Ontem o Tesouro do Brasil estava pagando juros de 9% (isto é, limpos de inflação) para títulos de dois anos e pouco. E já faz algum tempo que o governo voltou a doar dinheiro para quem se disponha a investir em seus papéis. Diante de tal conhecimento, qual perdão haveria para a Bolsa, que mesmo parando de sangrar pode ficar em choque até o final do ano que vem?
O mundo financeiro rico está em ritmo de liquidação. Não há sinal à vista de quando isso vai parar. Ontem, bancões de Wall Street avaliavam que a liquidação imobiliária americana ainda leva dois anos -a não ser que a crise piore tanto que os ativos virem logo pó. Ou que os Estados Unidos simplesmente passem a imprimir dólares a fim de comprar a papelada podre. Isso soa, por ora, como piada. Mas, de certa forma, alguma coisa parecida já começou.

vinit@uol.com.br


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