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LUÍS NASSIF
Os hinos brasileiros
Na copa do Mundo, um
grande jornal inglês, não
me lembro qual, ficou maravilhado com o "Hino Nacional
Brasileiro". Na minha infância, e
na de todos os brasileirinhos, o
"Hino" é uma lembrança inesquecível.
Deveríamos ser país de poucos
hinos, gênero mais afeito a períodos de guerra. No entanto a musicalidade brasileira legou uma
coleção de hinos de primeiríssima, que ajudaram a plasmar a
nacionalidade, a trazer para junto do país os rincões mais longínquos.
O maior de todos, obviamente,
é o "Hino Nacional", um dobrado de Francisco Manuel da Silva
do século 19, que se tornou hino
após a Proclamação da República, recebendo letra de Joaquim
Osório Duque Estrada e ganhando o ritmo da marcha batida. Na
infância, a gente dizia de boca
cheia que só a "Marselhesa" chegava perto do nosso hino.
Mas houve outros hinos clássicos a incendiar nossa imaginação infantil. O da Proclamação
da República, de Leopoldo Miguez, era de arrepiar, principalmente quando se chegava ao refrão clássico: "Liberdade, liberdade / abre as asas sobre nós, / nas
lutas, nas tempestades / dá que
ouçamos sua voz".
Em 1969, nosso grupo de teatro
de São João da Boa Vista correu o
interior levando "Liberdade, Liberdade", de Millôr Fernandes e
Flávio Rangel. Eu ficava ao violão, acompanhando o trio excepcional de atores-cantores, a Suzana, o Ricci e o Erimílio.
Grande ponto de apoio à formação da música brasileira do
início do século foram as corporações militares, especialmente as
bandas das PMs e dos Fuzileiros
Navais, escolas que legaram ao
país instrumentistas fantásticos
que se espalharam pela música
brasileira -de Bonfiglio de Oliveira a Severino Araújo e meu
amigo Stanley, clarinetista-, até
autores de dobrados, cuja reputação acabou restrita ao meio militar e dos cultivadores do gênero.
São desse grupo peças clássicas,
como a "Canção do Marinheiro",
de 1921, de autoria de M. Espírito
Santo e B. X. Macedo, o hino que
mais me comovia na infância:
"Qual cisne branco, que em noite
de lua / vai navegando no mar
azul / minha galera também flutua / nos verdes mares, de norte a
sul".
Havia hinos menos conhecidos,
mas nem por isso menos bonitos.
O "Hino à Bandeira Nacional",
de Francisco Braga, é um monumento de lirismo cívico: "Salve
lindo pendão da esperança / salve
símbolo augusto da paz".
O "Hino da Independência", de
Dom Pedro 1º e Evaristo da Veiga, mostrava ser o imperador um
compositor de mão-cheia: "Já podeis da pátria, filhos / ver contente a mãe gentil". Está certo que,
na minha infância, a paródia era
mais conhecida: "Japonês tem
quatro filhos / todos quatro aleijados".
No início do seu governo, Fernando Henrique Cardoso convidou um grupo de grandes empresários a visitar o Palácio da Alvorada. No meio do tour, sentou-se
ao piano e tocou um hino que
compusera em homenagem ao
Brasil, equiparando-se a Dom
Pedro 1º. Segundo uma das testemunhas, manter o hino inédito
foi um gesto de muita prudência
do senhor presidente.
Os anos 20 e 30 foram pródigos
em marchas militares, compostas
até por compositores populares
inebriados com os feitos militares
do período. Catulo e Henrique
Voegeler compuseram "24 de Outubro": "Vinde a nós, bravos Getúlios, destemidos Florianos, os
Juarez soberanos, generais triunfadores". O mesmo Voegeler, em
parceria com Horácio Campos,
compôs em 1930 os "18 de Copacabana".
Juarez Távora foi um mito
enorme, à altura de Luiz Carlos
Prestes. Em sua homenagem,
João Valença e Oscar Brandão
compuseram o "Hino a Juarez",
que falava de "Juarez, bravo dos
bravos, filho da terra e da luz".
Hino é um gênero tão bonito
que, quando saí de Poços, em
1970, tentei deixar minha marca
na cidade disputando o "Hino do
Centenário". Dancei. Mas o coral
da Escola Dom Bosco do Padre
Carlos, ensaiado pela inesquecível Maria, durante anos manteve
meu hino vivo na cidade: "Nas
montanhas, nas matas de Minas
/ alegria, veloz mensageira / surge
na serra de São Domingos / se esparrama pela Mantiqueira. / Alegrando as tristezas vizinhas / preparando a festa geral / madrugada se afasta de manso / vem chegando de manso o sol. / E Poços,
centenário / se ergueu, se espreguiçou / lavou-no orvalho / das
suas manhãs / das nossas manhãs".
E-mail - LNassif@uol.com.br
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