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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Política econômica e emprego
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
O "freio de arrumação" do
primeiro trimestre foi brabo
e não mostra sinais de afrouxar, a
julgar pelas "projeções" da equipe
macroeconômica. Toda semana
se reúne a Câmara de Política
Econômica, onde pontificam o secretário de Política Monetária do
BC e o secretário do Tesouro do
Ministério da Fazenda. Os velhos
vícios "ortodoxos" de quem ocupa essas cadeiras continuam de
pé. Um é do "partido do juro alto"
e o outro, do "partido da tesoura". Se o contingenciamento do
Orçamento de 2003 era para valer, como se explica o exagero de
um superávit primário de 6,3%
do PIB no primeiro trimestre? O
superávit comercial estava crescendo rapidamente e as necessidades da conta de capitais eram
conhecidas. Por que, então, permitir uma excessiva entrada de
capitais de curto prazo que aumenta a vulnerabilidade externa
e levou a uma apreciação tão forte e rápida do real? Como se explica que a execução orçamentária
continue na "boca do caixa" do
Tesouro e atrase a liberação de
despesas programadas, deixando
os ministérios a "pão e laranja"?
Não há dúvida de que o debate
sobre a política macroeconômica
vai continuar, dentro e fora do
governo, mesmo que isso torne
mais difícil a tarefa do ministro
da Fazenda. Existem zonas obscuras que precisam ser iluminadas e contradições que precisam
ser arbitradas ou desfeitas. Essa é
a essência de um governo democrático. Já está na hora de retomar a agenda central do programa do PT: desenvolvimento econômico e social, na qual a geração de renda e emprego e a ampliação do gasto social são essenciais, sem o que todas as pretensões de "inclusão social" vão por
água abaixo.
A discussão sobre relação entre
emprego e crescimento tem sido
simplificada ao extremo pela busca de coeficientes estáveis entre
funções de produção agregadas
sem levar em conta os deslocamentos setoriais, regionais e empresariais da produção. As relações baixas verificadas entre o
crescimento do emprego e do PIB
efetivo devem-se a várias razões,
entre as quais a "modernização
defensiva" com baixo crescimento, como ocorreu sobretudo na última década em razão da famosa
"abertura comercial competitiva". O lento crescimento da renda
e o desemprego se devem sobretudo às baixas taxas de investimento agregado das duas últimas décadas e às políticas de "stop and
go". Todo mundo parece ter esquecido o famoso multiplicador
da renda e emprego do velho Keynes e as políticas anticíclicas.
A confusão entre liquidez, crédito ("finance") e poupança e
suas relações com o investimento
passou a ser uma barafunda para
os "neokeynesianos" e para os
acadêmicos da década de 90.
Quando ouço a discussão sobre
"absorção de poupança externa",
referindo-se ao brutal crescimento do endividamento externo da
década passada e ao aumento do
IDE (quase todo para aquisições e
fusões), sem aumento da taxa de
investimento líquido produtivo,
tenho ganas de xingar os "novos
economistas". Que dizer dos mais
velhos que mudaram o seu saber
em troca de posições mais rendosas no setor financeiro e naturalmente nunca mais falaram da
"eutanásia do rentista".
O desemprego resulta não apenas da modernização tecnológica
mas também do ciclo de negócios,
da baixa taxa de crescimento da
renda per capita (nos últimos dois
anos negativa) e da mudança no
padrão de acumulação de capital,
que se tornou "patrimonial" e financeiro, e não produtivo. Mesmo a diminuição da força de trabalho no setor bancário não se
deve apenas à automação e tem
de levar em conta as fusões e concentração bancária e a redução
radical do montante de crédito
interno em relação ao PIB (substituição de crédito interno por endividamento externo e outras formas de intermediação financeira
com "práticas informais"). As privatizações, as fusões e as aquisições, típicas da década de 90, desempregaram também mão-de-obra altamente qualificada.
O emprego no setor público já
foi uma das fontes de emprego relevantes deste país. Agora está na
moda dizer que o setor público
"gasta muito e mal". É curioso ver
o número de servidores ativos no
setor público diminuir por causa
das políticas de ajuste fiscal, da
terceirização do serviço público e
das "aposentadorias do medo",
provocadas pelas "reformas de
primeira geração" (a administrativa e a previdenciária). Ninguém
desconfia de que não pode haver
serviços públicos universais eficientes (saúde, previdência, assistência social, educação e segurança) sem que o número de servidores ativos cresça e se qualifique?
Os investimentos produtivos e
na infra-estrutura têm de ser reativados para que o crescimento
da produção, da renda e do emprego sejam sustentáveis. O grosso dos bens e serviços é produzido
no país e estamos precisando de
crédito e renda em reais. O salário
mínimo não é pago em dólar e o
que importa é o seu poder de
compra interno, que depende, sobretudo, da evolução dos preços
da cesta básica e dos serviços essenciais. Por outro lado, as condições de negociação dos salários só
melhoram com o crescimento do
emprego e da renda. Na atual situação de incerteza, as empresas
que estão dispostas a exportar, a
substituir importações, a investir
no mercado interno e a aumentar
o emprego têm de receber crédito
barato em reais. Os bancos públicos podem ajudar, mas não conseguem compensar o desvario das
altas de juros na ponta nem arcar
com o risco das flutuações cambiais.
Existem os novos projetos de investimento que já estão no forno:
saneamento, construção civil, toda a cadeia de petróleo, derivados
e plataformas de exploração, indústria naval, papel e celulose e
siderurgia são alguns exemplos. A
eletrônica, as telecomunicações e
a farmacêutica, que são as mais
sensíveis ao componente importado e à mudança tecnológica, terão de ser contempladas com um
programa de médio prazo.
Para esses programas de investimento, podem contribuir tanto
as pequenas e médias empresas
quanto as grandes, independentemente dos seus coeficientes técnicos e de escala de produção,
contanto que haja aumento de
capacidade produtiva sem desemprego. Os objetivos não são
incompatíveis, mas complementares. Basta de falsas oposições.
Maria da Conceição Tavares, 72, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail -
mctavares@cdsid.com.br
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