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LUÍS NASSIF
Dino e Raphael Sete Cordas
Mestre dino completou 85
anos, 50 tocando violão de
sete cordas. Se você nunca frequentou um boteco, nunca visitou a casa de um chorão, não conhece a mitologia do choro, não
sabe a mística que cerca um violão de sete cordas.
Raramente ele faz o solo, mas
também não faz o acompanhamento burocrático. Seu papel é do
contraponto. Como tal, ele tem
que ser individual na criação,
mas tem que adaptá-la ao conjunto. Tem que impressionar o
ouvinte, mas sem roubar a cena
nem desequilibrar o solista. Precisa ser individual no talento, mas
pensar no conjunto. Mais que o
pandeirista, é o sete cordas quem
dá a pulsação do choro.
Neste mês o Centro Cultural do
Banco do Brasil de São Paulo lançou o Festival Sete Cordas, com
expoentes do gênero. Veio o mestre maior, Horondino Silva, que
comemorou por aqui seus 85
anos. Depois, virão craques do
Rio, como Luiz Filipe, o meu parceiro Jorge Simas, craques de São
Paulo, como meu companheiro
de CD, Zé Barbeiro e o Swami Júnior, o violão talentoso e perdulário de Yamandú Costa.
Será sentida a falta de Israel,
um craque, mas tão sutil e fundamental que apenas os solistas percebem sua enorme grandeza. Faltará meu parceiro de noitadas, o
João Macacão. Mas precisaria
três meses de programação para
que todos os grandes viessem.
Conta-me o Luiz Filipe, estudioso do tema, que o violão sete
cordas foi herdado dos ciganos.
Os primeiros instrumentistas brasileiros foram China, irmão de Pixinguinha, e Tute. China morreu
cedo e não tinha grande brilho.
Tute levou a bandeira em frente.
Por volta de 1953 o bastão foi passado para Dino, que, durante
anos, consolidou uma formação
fundamental no regional brasileiro, o duo com o violão de seis cordas de Meira -um pernambucano histórico, que chegou ao Rio
acompanhando os Turunas da
Mauricéia e foi professor de violão de Baden e Raphael Rabello.
Juntos, Dino e Meira passaram
pelo Regional do Canhoto e, depois, pelo Conjunto Época de Ouro.
O estilo de improviso e contraponto do sete cordas, a baixaria
ou bordão, como é conhecido, influenciou o próprio Pixinguinha,
nos contrapontos clássicos que fez
ao saxofone, em duo com a flauta
de Benedito Lacerda.
No seu maior momento -o
show que estrelou com Elizeth
Cardoso, Zimbo Trio e Época de
Ouro-, pouco antes de morrer, a
maioria dos arranjos de Jacob era
influenciada diretamente pelo estilo de interpretação do sete cordas.
Ao longo da história, o Brasil teve grandes nomes. Na minha opinião, o maior sete cordas da história foi meu amigo Raphael Rabello. Eu tinha ressalva quanto ao
solista Raphael, excessivamente
apressado e com uma má influência do estilo de Paco de Lucia
-em que pese o enorme talento
do espanhol e do Raphael. O próprio Raphael me confessou, uma
vez, o enorme desconforto que
sentia quando solava. Era tomado do sentimento de solidão típico do solista.
Mas no acompanhamento, no
sete cordas, não houve nada
igual. Aos 14 anos acompanhou
Turíbio Santos em um LP de choros e, depois, em outro de valsas.
Seu violão roubou a cena, foi um
momento mágico só preservado
graças à generosidade de Turíbio,
um músico que não possui o sentimento da inveja.
Foi com Dino que Raphael atingiu seu maior momento, e um dos
maiores da história da música
instrumental brasileira. Quando
os dois sentaram-se no estúdio e
tocaram nem sei quantas faixas
juntos, os dois contraponteando,
dentro da melhor tradição do sete
cordas brasileiro, acabou aquele
papo de acadêmico de que a música brasileira nunca conseguiu
avançar na polifonia.
Meu Deus, o que foi aquilo? O
que fizeram com "Um a Zero", de
Pixinguinha, Raphael como um
Pelé de 17 anos correndo, criando,
pulando, Dino como um Gerson
de 35 anos, indo na boa, garantindo o ritmo, a colocação, o lançamento.
Ambos deixaram centenas e
centenas de gravações clássicas
pelo caminho, sendo a estrela
maior em disco de outros solistas.
Mas o dia em que o mestre e o discípulo se encontraram entrou para a história da música brasileira.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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