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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O discurso e a realidade
ALOIZIO MERCADANTE
"Que oportunidade mais consagradora pode um político ambicionar
do que a de entregar seu país melhor
do que encontrou ao assumir uma
importante função pública? Por outro lado, que frustração poderia ser
mais amarga do que a de deixar escapar essa oportunidade?"
Fernando Henrique Cardoso
Mensagem ao Congresso Nacional
15 de fevereiro de 1995
Na mensagem ao Congresso
Nacional, em fevereiro de
1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso reconhecia que as
condições eram bastante favoráveis para o desenvolvimento do
Brasil -tanto pelo êxito inicial
do programa de estabilização como pelo cenário então existente
de farta liquidez internacional.
Cito: "Meu governo nasce, portanto, firmemente comprometido
com a consolidação do Plano
Real e o aprofundamento das reformas que darão sustentação ao
crescimento econômico inaugurado nos últimos dois anos. (...) As
expectativas em relação ao Brasil
são amplamente favoráveis, tanto da parte dos investidores nacionais como dos estrangeiros.
Mais do que expectativas, há projetos de investimento em andamento, e em número crescente."
Os dois últimos anos a que se referia o presidente eram 1993 e
1994, quando o país cresceu, em
média, 5,02% ao ano. Mas as "reformas" não sustentaram o crescimento. Pelo contrário, no período de 1994 a 1998 a taxa anual de
incremento do PIB real caiu para
2,56% anuais.
Quatro anos depois, em nova
mensagem ao Congresso, ainda
sob os efeitos da crise cambial de
janeiro de 1999, declarava o presidente: "Queremos um país com
níveis de desenvolvimento à altura do seu potencial e das necessidades do nosso povo. As transformações dos últimos quatro anos
-as reformas estruturais da economia, incluindo as privatizações, as retomadas dos investimentos em infra-estrutura, a recuperação da capacidade de
atuação dos bancos federais, o saneamento do sistema bancário
privado e os avanços na educação
e na qualificação de mão-de-obra- prepararam o Brasil para
uma nova arrancada de desenvolvimento. Temos tudo para
crescer e vamos voltar a crescer a
taxas expressivas, na medida em
que a consolidação do ajuste fiscal nos permita superar decididamente a turbulência financeira
do momento e reduzir a taxa de
juros".
A realidade, teimosamente, desmentiu de novo o discurso: nem
as medidas citadas pelo presidente "prepararam" o país para o
crescimento nem o ajuste fiscal
permitiu superar as "turbulências
do momento". A taxa de juros
caiu em 2000, mas voltou a subir
em 2001 e em 2002 e o crescimento
médio anual do PIB no período
de 1999 a 2001 foi de 2,22%, inferior ao do quadriênio anterior. As
projeções para 2002 são que o PIB
cresça algo em torno de 1,5%, com
o que a taxa média do segundo
governo FHC não passaria de
2,04% anuais.
No total, lá se vão quase oito
anos de discursos e de propaganda bastante dispendiosa sobre as
maravilhas do atual governo, as
virtudes das "reformas" e os
"avanços" do Brasil, mas o que se
vê, na prática, é a renovação periódica de uma promessa -nunca cumprida- de desenvolvimento e bem-estar social.
O quadro dentro do qual transcorreu recentemente o oitavo aniversário do Real é, nesse sentido,
simbólico. Nossa ex-moeda forte
vive, desde o ano passado, um
processo errático de desvalorização, que já levou a cotação do dólar à casa dos R$ 3 e não há evidências de que o mercado caminhe para uma situação estável de
menor volatilidade. A recuperação do saldo comercial é precária,
dado que as exportações diminuíram -só que em menor proporção do que as importações. A indústria teve em maio passado seu
pior desempenho desde 1995, com
queda de quase 6%. E os enormes
superávits primários que o país
vem obtendo -foram R$ 44 bilhões no ano passado- à custa
de cortes em investimentos e em
programas sociais, embora reduzam a velocidade de deterioração
da situação fiscal, têm sido impotentes diante do tamanho da conta de juros -R$ 106 bilhões em
2001- para reverter as tendências de aumento da relação entre
a dívida e o PIB.
Da ótica social, a situação é ainda mais dramática. A taxa de desemprego total aumentou em todo o país, superando, em alguns
casos, como na região metropolitana de São Paulo, a casa dos
19%. Os rendimentos dos empregados vêm caindo continuamente
desde 1997, praticamente eliminando os ganhos derivados do
impacto inicial da estabilização
de preços e do miniciclo de crescimento que se seguiu à reforma
monetária. Aumentou a concentração da renda, assim como a
desigualdade social e o número
de famílias em situação de indigência ou abaixo da linha de pobreza. A violência atingiu níveis
inaceitáveis -no ano passado foram cerca de 43 mil mortes por
homicídio, então a principal causa da morte de jovens nas áreas
urbanas-, e permaneceram precários, quando não se deterioraram, os serviços de seguridade e
proteção social da população.
A crise que o país vive neste momento é a expressão do esgotamento de um modelo que fragilizou a economia e o Estado brasileiro, reduzindo nossa liberdade
de gestão da política econômica.
Tal esgotamento se deve tanto ao
agravamento dos desequilíbrios
no interior da economia como ao
desaparecimento de duas das
condições que permitiram, nos
anos 90, viabilizar sua implantação: o forte aumento na liquidez
internacional ocorrido naqueles
anos, que pôs à disposição dos
países emergentes uma massa significativa de recursos externos em
busca de valorização, e a expansão sustentada da economia norte-americana, que possibilitou
um notável aumento das correntes de comércio internacional,
muito superior ao crescimento
econômico mundial no período.
O atual modelo de política econômica foi incapaz de produzir
um crescimento satisfatório da
economia brasileira quando as
condições externas eram favoráveis. Com o novo cenário internacional, sua lógica aponta para a
regressão econômica e para a crise social. Será esse o "rumo" que o
governo Fernando Henrique Cardoso comemora ter dado ao país?
Aloizio Mercadante, 48, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail - dep.mercadante@
camara.gov.br
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