|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Tempos e movimentos
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Os modelos de avaliação de
risco dos bancos de investimento há muito deixaram de ter
qualquer caráter "científico". Sua
capacidade de previsão do comportamento das variáveis macroeconômicas é zero mesmo nos
Estados Unidos -que dirá no
Brasil. Os analistas dos bancos
dedicam-se sobretudo a criar "expectativas" que induzam os investidores individuais a alinhar-se com o seu desejo de trocar posições em carteira para realizar lucros especulativos.
As "bolhas" e os "escândalos" financeiros estouraram em toda
parte onde as instituições financeiras alavancaram demais suas
posições ou a dos seus clientes. A
especulação com as principais
moedas e as ações das grandes
companhias têm sido a tônica das
últimas duas décadas, a começar
por Wall Street, que é o centro
principal das finanças internacionais, acompanhada ou não pela
City, praça de arbitragem em eurodivisas.
Os tremores de terra originários
do centro provocam ondas, marolas e, por vezes, terremotos nos
países da periferia. A atual marola sobre o "risco Brasil" foi provocada por especulação com títulos
da dívida pública velha no mercado secundário de Nova York,
que obviamente não exprime o
risco do país do ponto de vista dos
grandes bancos e das empresas
privadas que operam no Brasil.
Desde a década de 80, uma parcela da riqueza financeira global
é criada e destruída com velocidade espantosa e seu crescimento
pode estar descolado ou ser assincrônico com os "fundamentos"
macroeconômicos dos países. As
moedas podem ser atacadas independentemente de as economias
nacionais apresentarem déficits
ou superávits fiscais e comerciais
com a economia crescendo ou estagnada, com ou sem "moeda forte". Os vários tempos e movimentos em cada crise ao longo da década de 90 foram diferentes nos
países europeus, asiáticos e latino-americanos e finalmente nos
EUA no começo do novo século.
As políticas monetárias têm-se revelado impotentes para conter a
"exuberância irracional" dos
mercados liberalizados ou a sua
apatia. A atitude dos bancos centrais dos EUA e do Japão na década de 90 são dois casos-limites
dessa impotência.
Do ponto de vista comercial, o
manejo da política cambial, por
meio de "desvalorizações competitivas" também não dá resultados brilhantes em matéria de promoção de exportações de um país
isolado ou mesmo de uma área de
comércio integrada do tipo União
Européia ou Nafta. Uma parte
importante do comércio mundial
está ligada ao investimento direto
estrangeiro feito por filiais de empresas globalizadas. Estas distribuem-se geograficamente de
acordo com o potencial de crescimento do mercado interno dos
países mais do que por vantagens
comparativas clássicas (como
mão-de-obra barata e recursos
naturais abundantes). A partir de
posições estratégicas, as filiais
promovem exportações a qualquer taxa de câmbio, utilizando
preços de transferência e instrumentos de proteção cambial invadindo até mesmo os mercados de
seus países de origem. O caso das
filiais norte-americanas na China
é exemplar.
As filiais industriais das empresas globais só entraram nos países
da Ásia que tinham políticas internas industriais e de crescimento coerentes e que mantiveram
uma taxa de crescimento sustentado a médio e longo prazo. Na
América Latina, nas últimas duas
décadas, entraram sobretudo para desnacionalizar o agrobusiness, os bancos, as grandes cadeias comerciais e os serviços de
utilidade pública, e não para promover a industrialização e o crescimento. As exportações mantiveram-se por isso essencialmente ligadas às matérias-primas e, no
caso das manufaturas, dirigiram-se sobretudo ao mercado regional, com baixos valor agregado e
componente tecnológico.
As exportações nunca foram
variáveis impulsionadoras do
crescimento nos países continentais. No caso do Brasil, só o crescimento rápido dos vários complexos industriais permitiu a expansão de suas exportações na década de 70. Desde a crise da dívida
externa até o início da década de
80, a meta de US$ 100 bilhões de
exportações é repetida por todos
os ministros para o final da década. Até hoje essa meta não se verificou com nenhuma política cambial, justamente porque a indústria brasileira está atrofiada em
seu crescimento para o mercado
interno. É por isso que, para superar a atual restrição externa, insistimos em crescer de baixo para
cima e de dentro para fora.
O nosso ministro da Fazenda
deveria saber de tudo o que estou
falando. Deveria saber que a política monetária e cambial do Banco Central de "seguir o mercado"
e de abrir as importações sem políticas adequadas de proteção e financiamento foi um desastre que
produziu desequilíbrios na estrutura produtiva e no balanço de
pagamentos e fez explodir o endividamento interno e externo, o
que levou ao aumento brutal da
carga tributária só para pagar juros. Deveria saber que desregular
o mercado financeiro, permitir a
desnacionalização dos bancos e
restringir o crédito interno ao setor privado nacional levaria parte
das grandes empresas nacionais a
endividar-se no exterior e a maioria das pequenas e médias à beira
da falência.
Para um ministro que seguiu à
risca o fracassado receituário do
Consenso de Washington, fica fora de propósito, em final de mandato, posar de conselheiro dos
candidatos a presidente. Suas falas tardias sobre política industrial para "aderir" ao candidato
do governo que não estava entre
as suas "afinidades eletivas"
soam falsas. Seus ataques ao principal candidato de oposição são
politicamente incorretos e, na
atual conjuntura, não ajudam
nem o país nem o candidato do
governo.
Maria da Conceição Tavares, 71, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet: www.abordo.com.br/mctavares
E-mail - mctavares@cdsid.com.br
Texto Anterior: Tendências Internacionais - Gilson Schwartz: Nacionalismo e Estado ganham força na Cepal Próximo Texto: Luís Nassif: Os guetos musicais de São Paulo Índice
|