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RECALL DA PRIVATIZAÇÃO
Distribuição de dividendos aos acionistas de ex-estatais amplia em 75% a saída de recursos do país
Privatizada se endivida para embolsar lucro
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma política agressiva de distribuição de lucros e dividendos
praticada pelas empresas de energia e de telecomunicações privatizadas, para remunerar mais rapidamente os controladores, tem
provocado a descapitalização dessas companhias e colaborado para aumentar a saída de recursos
do país nos últimos cinco anos.
Dados do Banco Central mostram que as remessas de lucros e
dividendos ao exterior chegaram
a US$ 4,9 bilhões no ano passado,
75% acima dos US$ 2,8 bilhões registrados em 1996, quando teve
início o processo de privatização.
Só no primeiro trimestre deste
ano, último dado do BC, US$ 600
milhões deixaram o país na conta
de lucros e dividendos. O número
é próximo ao registrado um ano
antes, mas ocorreu um salto significativo de remessas em março,
quando US$ 427 milhões cruzaram as fronteiras. Em fevereiro, a
saída foi de US$ 49 milhões.
Sangria
Um levantamento feito pela
Economática, a pedido da Folha,
mostra que a distribuição crescente de dividendos aos acionistas, após a privatização, foi acompanhada de um processo de endividamento galopante das principais empresas de energia e de telecomunicações (leia quadro).
Segundo analistas ouvidos pela
Folha, as empresas buscaram recursos nos bancos, principalmente no exterior, para fazer os investimentos necessários ao cumprimento de metas de expansão dos
serviços e modernização. Com a
desvalorização cambial de 1999 a
dívida explodiu.
Ao mesmo tempo, dizem os
analistas, as empresas usaram a
maior parte dos recursos gerados
na operação para remunerar seus
acionistas. Segundo eles, na prática, o endividamento financiou a
distribuição de lucros.
A Folha apurou que as empresas tomaram empréstimos lá fora
a uma taxa de juros de 6% a 7% ao
ano, enquanto a rentabilidade do
seu patrimônio líquido era de
12% a 15% ao ano. As companhias
se tornaram meras emissoras de
títulos e de dívida no mercado,
aproveitando a diferença entre
aquelas duas taxas, segundo a
opinião de um analista de um
grande banco local.
Só as cinco maiores do setor de
telecomunicações têm uma dívida financeira que totaliza R$ 23,3
bilhões, segundo dados dos balanços divulgados em dezembro
de 2001. Essas mesmas empresas
destinaram R$ 8,4 bilhões para o
pagamento de dividendos entre
1998, ano da privatização, e 2001.
De acordo com a Lei das S/A, as
empresas de capital aberto devem
distribuir no mínimo 25% do lucro líquido auferido no ano aos
acionistas. Mas as ex-estatais, em
geral, sempre fizeram a distribuição máxima, mediante aprovação
da assembléia de acionistas.
"Houve descapitalização das empresas pelo pagamento de juros
aos bancos e dividendos aos acionistas", diz Alberto Borges Matias, diretor da ABM Consulting.
Segundo ele, "nesse processo
houve dois grandes beneficiados:
os bancos, que financiaram os investimentos das empresas, e os
controladores, que receberam os
dividendos".
Alguns analistas, no entanto,
discordam dessa visão. "Os controladores das teles procuraram
distribuir dividendos acima do
mínimo legal, pois compraram as
empresas por meio de financiamentos e tinham que pagá-los",
diz Ricardo Kobayashi, chefe da
área de análise do banco Pactual.
Segundo ele, não foi a política de
distribuição de lucros e dividendos que levou a maioria das empresas do setor a viver a crise atual
de perda de rentabilidade e endividamento alto. "Os problemas
do setor vêm menos da política de
distribuição de lucros e dividendos e mais do tamanho do mercado que mostrou-se menor do que
indicavam as projeções", observa.
Os pesados investimentos feitos
na expansão das redes de telefonia fixa e celular esbarraram na
desaceleração da economia e na
queda de renda da população. Resultado: o lucro das companhias
encolheu e em pelo menos dois
casos -da Embratel e da Telesp
Celular- virou prejuízo em 2001.
A Embratel informou que "a
prática da empresa é distribuir dividendos estipulados pelos seus
estatutos (6% do capital ajustado)
ou pela Lei das S/A".
Setor elétrico
Já as cinco maiores empresas de
distribuição de energia elétrica
acumulam dívida de R$ 16,6 bilhões, segundo dados de dezembro de 2001. Desde 1996, quando
foi dada a partida na privatização
do setor com a venda da Light, até
2001 elas distribuíram R$ 3,2 bilhões de lucros e dividendos.
"As distribuidoras de energia
tentaram garantir a remuneração
do investimento feito pelos controladores enquanto puderam",
diz Oswaldo Telles Filho, analista
do setor elétrico do banco BBV.
Isso foi possível principalmente
nos primeiros anos após a troca
de controle de cada empresa.
"Nos últimos dois anos, porém,
houve um achatamento da margem de lucro das empresas",
acrescenta Telles. Segundo ele,
com a desvalorização cambial de
1999 os custos de combustível e da
compra de energia de Itaipu, paga
em dólar, inflaram os custos das
distribuidoras.
Neste ano, apenas a Eletropaulo
Metropolitana e a Tractbel anunciaram a distribuição de dividendos sobre os resultados de 2001.
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