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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
República da inclusão: crescimento para todos
ALOIZIO MERCADANTE
O século 20 às vezes parece
já ir longe, com toda a sua
turbulência transformadora: o padrão libra-ouro foi engolido pela
crise da Primeira Guerra Mundial
e voltou como um espectro tateante no entreguerras, para ser abandonado na Grande Depressão dos
anos 30. A vitória dos aliados na
Segunda Guerra redefine a geopolítica e desloca a hegemonia britânica para os EUA, que passam a
ancorar o mundo ocidental a partir 7das instituições criadas em
Bretton Woods, o padrão dólar-ouro, o Gatt, o Banco Mundial e o
FMI, entre outras. A Guerra Fria
entre os EUA e a União Soviética
lança a disputa por corações e
mentes e influência política concreta em nível global. É fabuloso o
crescimento econômico nos anos
gloriosos do chamado Ocidente,
como também no mundo socialista, que posteriormente não acompanhou e acabou por sucumbir às
mudanças do padrão de acumulação mundial ocorridas a partir dos
anos 80.
O Brasil passou por esses anos
também em profunda mudança.
Saiu de uma economia agrário-exportadora, que girava em torno
dos humores dos preços do café no
mercado internacional, e construiu uma economia industrial e
diversificada, em meio a um grande debate sobre as vocações do
país. Nos primeiros 50 anos do século, o Brasil cresceu em média
4,7%. Mas muito mais cresceríamos após os anos 50.
A reconstrução do pós-guerra teve efeito vigoroso sobre a economia mundial. A Europa é revitalizada pelo Plano Marshall; o Japão, que parecia fadado à decadência, muda de rumo após os novos cálculos geopolíticos gerados
pela Revolução Chinesa de 1949,
que levou os americanos a estimular a economia daquele país. A
economia norte-americana entra
em um período de crescimento vigoroso e puxa o resto do mundo.
Nossos anos dourados de crescimento econômico duram também
30 anos: de 1951 a 1980. Nesse período, o PIB avança a um ritmo de
7,4% ao ano, dobrando a cada dez
anos. A riqueza do país cresce de
forma avassaladora, mas, ao contrário do que ocorreu nos EUA e
na Europa naqueles anos, não
houve desenvolvimento com distribuição de renda e riqueza por
aqui. A ausência das reformas estruturais, principalmente a agrária, em um país ainda com a população predominantemente rural, revelou a resistência das elites
brasileiras a distribuir sua prosperidade. A ditadura militar viria
para consolidar essa opção pela
exclusão social.
O colapso do modelo de crescimento do período militar joga o
país em sua mais longa crise. São
mais de 20 anos de estagnação:
nos primeiros dez, em razão da
crise da dívida externa, que deu
início ao processo hiperinflacionário e à cultura da inflação, e nos
últimos dez anos, em razão das
opções de política de estabilização,
principalmente da aventura de
Collor e do populismo cambial do
primeiro mandato de FHC, que
lançaram o país em uma estagnação tão grande como a da década
perdida.
Após 30 anos crescendo a 7,4%,
vivemos 20 anos crescendo a 2%
ao ano. Esse período prolongado
de estagnação relativa afetou as
mentalidades. Nós, que tivemos 15
anos no século 20 com a economia
em ritmo superior a 10% e uma
média anual em 100 anos de 5%,
passamos a nos assustar com a
possibilidade de crescer acima de
3,5%. Houve épocas em que ministros foram forçados a renunciar
por desacelerar o crescimento de
10% para 5% ao ano.
Saiu do imaginário da sociedade o espírito do crescimento, o entusiasmo com um futuro brilhante. Predomina a anemia blasé,
exangue, principalmente dos que
se acostumaram a viver das rendas dos hiperjuros brasileiros. Investir para que, se é possível remunerar o capital, sem esforço e criatividade, através do rentismo? Parece ser esse o pensamento predominante no mundo do dinheiro.
Criou-se, assim, uma cultura da
estagnação, que aprofunda a exclusão estrutural preexistente.
O nosso governo busca recuperar esse ânimo perdido em um povo com capacidade notável de
criar, empreender e trabalhar.
Não faltam aos brasileiros a fibra
e o ímpeto; faltam, sim, as oportunidades, os meios. Estes têm de ser
criados pelos esforços de todos e isso é obrigação do governo.
Colocar na agenda do país o esforço para a criação de um novo
contrato social, que está sendo
proposto pela CUT e pela Fiesp, é
fundamental neste momento em
que começamos a encontrar o caminho do crescimento. Não para
tratar da política de curto prazo,
dado que a estabilidade monetária está praticamente consolidada
há uma década, mas para abrir as
fronteiras do desenvolvimento
econômico e social. É preciso identificar de forma concreta as necessidades da sustentação do crescimento, para além das premissas
básicas da estabilidade monetária
e da responsabilidade fiscal.
É central nessa agenda o tema
da produtividade sistêmica. Os
países que cresceram com inclusão
o fizeram a partir de um aumento
sustentado da produtividade, distribuído através do mercado de
trabalho e das políticas sociais do
Estado. Crescer com distribuição
de renda e com estabilidade do
custo de vida exige um esforço
produtivista. A agenda para o desenvolvimento deveria partir dessas premissas, que podem gerar
um jogo construtivo entre os interesses dos diversos setores da sociedade.
Devemos começar a recriar a
cultura do crescimento e rejeitar o
olhar que vê o crescimento econômico como um problema, como se
tornou habitual ao longo das últimas duas décadas. A recuperação
em andamento, uma vez sustentada pelas iniciativas da sociedade e
do governo, é uma grande oportunidade para construirmos uma
nova etapa de nossa história republicana, a República da inclusão,
com crescimento para todos.
Aloizio Mercadante, 50, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do
governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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