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TUDO PELO CRÉDITO
Há 1.541 entidades no país, e em pelo menos 20% delas foi detectado algum tipo de irregularidade
BC detecta até fraudes em cooperativas
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Levantamento do Banco Central (BC) revela que, em janeiro
deste ano, 184 cooperativas de
crédito emprestaram mais dinheiro aos sócios do que podiam,
158 investiram em bens e imóveis
mais do que estavam autorizadas
e 63 estavam com patrimônio líquido negativo em dezembro do
ano passado -eram 54 no final
de 2001 e 42 no final de 2000.
Essa é a conclusão de uma análise financeira prévia das cooperativas de crédito feita pelo BC, com
base nas 1.451 instituições que
existem hoje no país -juntas, somavam patrimônio de R$ 2,6 bilhões no final do ano passado. Pelo levantamento do banco, dependendo do mês, entre 15% e
20% das cooperativas estão desenquadradas em pelo menos
uma das regras de operação.
Na radiografia das cooperativas
de crédito, o BC identificou ainda
que, mesmo entre as instituições
que cumprem as normas mínimas de funcionamento -emprestar no máximo 7,7 vezes o valor do patrimônio, como determina o Comitê da Basiléia (essa regra é internacional), comprometer no máximo 50% do patrimônio em ativos imobilizados e ter
patrimônio positivo-, há riscos
de prejuízos para os sócios.
Boa parte delas, informa o BC,
tem controle interno ineficiente.
Isto é, as informações contábeis
não refletem a real situação das
cooperativas -geralmente, devido à má administração e, em alguns casos, à má-fé. "Infelizmente, o preparo dos dirigentes dessas
instituições não é bom. A maioria
deles não tem conhecimento de
administração. A contabilidade
pode estar bem, mas pode estar
sendo mascarada", diz Osvaldo
Watanabe, chefe do departamento de supervisão direta do BC.
Estímulo
A situação econômica das cooperativas de crédito -atividade
que o presidente Lula quer estimular para que as pessoas de menor poder aquisitivo tenham mais
acesso ao financiamento -preocupa o BC. Nos próximos dias, o
banco deve divulgar um comunicado com o objetivo de padronizar a operação dessas cooperativas e intensificar a fiscalização.
Esse documento será encaminhado às centrais das cooperativas,
que deverão auxiliar o banco.
O que o BC quer, na prática, é
que as centrais façam uma auditoria mínima nas cooperativas de
crédito para aperfeiçoar os critérios para empréstimos e tornar
mais eficiente o controle na captação de recursos. A meta é fazer
com que a administração dessas
instituições seja mais preparada
para evitar prejuízo aos sócios.
O BC identificou que os dirigentes dessas cooperativas, por
exemplo, têm dificuldades para
avaliar o risco na concessão de
crédito, em estabelecer limites de
empréstimo e em cobrar dívidas.
Além disso, elas não têm funcionários treinados. Muitas vezes o
cooperado não sabe sequer que
tem de arcar com prejuízos, pois,
pela lei do cooperativismo, os sócios dividem os lucros e as perdas.
Manoel Messias, presidente da
Cecresp (Central das Cooperativas de Crédito do Estado de São
Paulo), que reúne 200 cooperativas no Estado, admite a precariedade na administração das cooperativas de crédito. "O problema
é que quem senta na cadeira de
um administrador de uma cooperativa são médicos, engenheiros,
metalúrgicos, advogados, muitas
vezes amadores em gestão. Por isso, eles não são tão prudentes no
cumprimento das regras. O levantamento do BC reflete a realidade, mas a maioria das cooperativas não está nessa situação."
Para Alcenor Pagnussatt, coordenador da área de cooperativas
de crédito da OCB (Organização
das Cooperativas Brasileiras), se
só 5% do total de cooperativas de
crédito do país estão com patrimônio negativo, isso mostra que
o setor vai bem. "Os bons exemplos prevalecem nos números."
Ele também preside a Confederação Interestadual das Cooperativas ligadas ao Sicred (Sistema de
Crédito Cooperativo), entidade
que reúne 130 cooperativas de
crédito, com 460 mil cooperados
em cinco Estados.
Fechamento
As dificuldades financeiras das
cooperativas de crédito são constatadas nos números de liquidações registrados pelo BC. No ano
passado, 23 instituições foram liquidadas, quase o dobro de 2001,
quando 12 foram extintas. Essas
liquidações ocorreram após intervenção do BC em comum acordo
com essas instituições.
Outras duas cooperativas de
crédito fecharam, em 2001 -essas por determinação do BC. A
Creditel (Cooperativa de Crédito
dos Empregados de Empresas de
Telecomunicações) e a Coopetfes
(Cooperativa de Crédito dos Servidores das Escolas Técnicas Federais do Espírito Santo), ambas
do Estado do Espírito Santo.
A Coopetfes recebeu irregularmente R$ 9 milhões do governo
do Estado do Espírito Santo. De
acordo com as normas do BC, as
cooperativas só podem receber
recursos de seus associados. Também concedeu empréstimo irregular de R$ 19,6 milhões em 1998
para o colaborador da campanha
do governador do Espírito Santo.
A Creditel foi liquidada pelo BC
porque emprestou à Coopetfes R$
5,7 milhões -além de não poder
emprestar dinheiro para outra
cooperativa, não poderia emprestar mais do que R$ 80 mil para um
único cliente. O caso foi revelado
durante a CPI da Propina.
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