São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Estabilidade e desenvolvimento

LUCIANO COUTINHO

Como conciliar prudência e credibilidade no controle da inflação -especialmente a política de juros- com a obtenção de uma trajetória de alto crescimento do PIB (Produto Interno Bruto)? Essa é, sob a égide da globalização financeira, a questão-chave para os países em desenvolvimento. As pistas para uma resposta poderão ser encontradas nos debates da 11ª Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) que se realiza nesta semana em São Paulo.
A observação de muitos exemplos bem e malsucedidos por parte dos economistas da Unctad indica que, para alcançar juros reais baixos, expansão do PIB e inflação sob controle, é imprescindível ter uma taxa de câmbio "credivelmente estabilizada" e finanças públicas saudáveis (isto é, endividamento público sob controle, bem estruturado).
O que significa ter uma taxa de câmbio credivelmente estabilizada? Significa reunir duas condições: 1) resultados do balanço de pagamentos (posição da conta corrente, nível de reservas) objetiva e indiscutivelmente sustentáveis e sólidos e 2) baixa volatilidade da taxa de câmbio (sob flutuação administrada).
Essas condições serão alcançadas somente se a taxa de câmbio for suficientemente depreciada para gerar exportações firmemente crescentes e para produzir um superávit persistente em conta corrente (ainda que de pequena monta). Vale dizer: um superávit que dê curso a um processo de redução do endividamento em moeda estrangeira, com robustecimento progressivo da posição externa do país -o que resultará em queda substancial e persistente da taxa de risco-país.
Somente nas condições acima é possível conciliar a estabilidade com um alto crescimento do PIB. Pois, do contrário, se a posição externa é frágil e o déficit em conta corrente é elevado, a taxa de câmbio tende a ser altamente volátil e, portanto, causadora de incertezas e de choques ou inflacionários ou deflacionários.
Esses choques, porém, não são simétricos. Os choques inflacionários, freqüentes, causados por depreciações cambiais nas economias com moedas fracas são, em geral, desestabilizadores das expectativas e exigem que os bancos centrais ajam com uma firmeza dissuasória mais que proporcional, aumentando agressivamente a taxa de juros.
Se a posição externa continua frágil, eventuais choques deflacionários não propiciam efeitos tão elásticos que permitam aos bancos centrais reduzir significativamente as taxas de juros. É essa a constatação do BIS (Banco de Compensações Internacionais) em recente balanço da política monetária feito em um conjunto de países em desenvolvimento (*).
Em resumo, em condições de vulnerabilidade externa, a política monetária fica incontornavelmente onerosa, pois precisa, obrigatoriamente, buscar atenuar as pressões depreciadoras da taxa de câmbio através de juros reais altos, o que, por sua vez, contém o crescimento e tende a corroer a sustentabilidade da dívida pública.
Com efeito, se a trajetória da taxa de câmbio tende a ser volátil, dívidas, ativos e contratos indexados à taxa de câmbio (ou denominados em moeda estrangeira) passam a carregar uma alta dose de incerteza e isso se traduz em um elevado diferencial de risco-país. Há que considerar ainda os efeitos disruptivos sobre as expectativas de inflação.
Assim, embora os regimes de metas de inflação não o admitam explicitamente, os bancos centrais não podem deixar de ter um olho permanentemente voltado para a taxa de câmbio. A tentação de estabilizá-la artificialmente é sempre onerosa: 1) se isso for feito através de juros altos, a economia estagna; 2) se for feito através da moratória ou de controles infligidores de perdas aos investidores, a reação dos mercados será implacável. A única maneira eficaz é construir uma robustez consistente da posição externa que enseje a estabilização da taxa de câmbio (em bases pró-exportadoras) e da taxa de inflação, viabilizando juros reais baixos e crescimento acelerado.
A economia brasileira ainda se encontra no início do caminho nessa empreitada. A sustentação de um forte desempenho exportador nos próximos cinco anos é imprescindível, pois só assim serão obtidos indicadores robustos de solvência externa, que permitirão rebaixar substancialmente a taxa de risco-país, o que viabilizará a queda expressiva e duradoura da taxa de juros e induzirá à melhoria da estrutura da dívida doméstica.
Para chegar a esses objetivos (que, afinal, conciliam uma política monetária sólida com o desenvolvimento acelerado), nossas autoridades econômicas precisarão evoluir para uma visão estratégica. Lições poderão ser extraídas da 11ª Unctad em matéria de competitividade e de indução de investimentos. As políticas industrial, tecnológica, regional, financeira e de mercado de capitais, bem como as condições institucionais e de regulação estão no núcleo dessa agenda.


(*) Vide "BIS Working Papers" nº 149 -"Monetary policy rules in emerging market economies: issues and evidence", por M.S. Mohanty e Marc Klau.

Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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