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LUÍS NASSIF
Homenagem ao gênio
Deu no "Jornal do Commercio", de Recife. Nem sei se o
anunciado chegou a acontecer.
Mas, se ocorreu, houve o reconhecimento justo, e em vida, de um
gênio da música brasileira. Em reportagem de José Telles, o jornal
noticiou que, no relançamento do
Projeto Pixinguinha, o presidente
Lula iria homenagear Francisco
Soares de Araújo, o Canhoto da
Paraíba, no Palácio do Planalto.
Hoje ele tem 76 anos. Faz seis
anos que um derrame o derrubou.
Faz seis anos e poucos meses que o
vi pela última vez. Canhoto se
apresentou em um show da Umes.
Convidei-o para um sarau após o
show. Ele foi até a casa de um
amigo, no Morumbi, onde o sarau
se realizava, apenas para dizer
que não tinha condições físicas de
atender ao convite. Colibri me
chamou na porta, me levou até o
carro, e lá estava Canhoto, o doce
Canhoto, meio cochilando e pedindo desculpas por não ter condições de varar a noite.
Nunca vi pessoa tão doce, poucas vezes ouvi músico tão talentoso. Só os do choro podem ter uma
idéia do que foi Canhoto da Paraíba para a música brasileira.
Ele foi sucessor direto de João Pernambuco, herdeiro direto da escola de choro pernambucana.
Tocava violão com a mão esquerda sem inverter as cordas. No
violão, o dedão serve para tocar o
bordão, as cordas de cima. Especialmente o indicador e o médio,
às vezes o anular, se revezam nas
cordas agudas, as primas. Nos
acordes entram todos os dedos, incluindo o mínimo. Quando o canhoto sola sem inverter as cordas,
onde há dois ou três dedos solando entra apenas o dedão. Provavelmente ele trazia o indicador
como reforço ao dedão. Confesso
que nunca reparei, porque, quando Canhoto começava a tocar, a
música encobria tudo.
Conheci a lenda antes de conhecer o músico. Nelsinho Risada,
nosso guru do Bar do Alemão, se
referia ao Sacristão, um violonista
genial de Pernambuco, que aparecera num dia qualquer de 1959
no Rio de Janeiro, depois de cinco
dias de viagem de jipe. Lá, se apresentara para Jacob do Bandolim.
Só constatei que Sacristão era o
Canhoto da Paraíba quando Paulinho da Viola patrocinou um LP
de Canhoto, em fins dos anos 70,
no qual contava a história do encontro. Jacob convidou Pixinguinha e Radamés para ouvirem Canhoto. Radamés ficou tão entusiasmado com o som que jogou
para o alto a bebida do seu copo.
Ficou uma marca no teto da casa,
que Jacob fez questão de jamais
remover.
Depois, Canhoto voltou a sua
terra, até ser redescoberto por
Paulinho. Quando aquele som
chegou até nós, aqui do centro-sul, foi uma descoberta inacreditável, um impacto do nível que tivemos ao conhecer a obra de Garoto. Depois, um show inesquecível no Municipal de São Paulo,
que juntou Canhoto, Paulo Moura, Izaias, Copinha. No final,
quando todos interpretaram o
"Pisando em Brasa", dele próprio,
Canhoto transcendeu. Além de
compositor emérito, sua capacidade de improviso, típica da escola pernambucana, deixou a todos
boquiabertos. Em São Paulo, ouvi
algo semelhante no bandolim do
seu João Macambira -que está
se apresentando às quartas-feiras
no Bar do Alemão.
Segundo a reportagem, Canhoto enviuvou há um ano e mora
com as filhas em Maranguape. As
filhas inspiraram algumas valsas
clássicas dele. Nasceu em Princesa
Isabel, no sertão da Paraíba.
Aprendeu violão com 12 anos e
aos 25 mudou-se para Recife.
O primeiro LP, "Único Amor",
saiu pelo selo Rozenblit. O último
CD, "Pisando em Brasas", pela
Kuarup, graças à dedicação ímpar de Raphael Rabello -que
Canhoto considera o maior violonista que conheceu.
Ao repórter, Canhoto contou
que, para recebê-lo, na famosa
viagem ao Rio, Jacob do Bandolim enfeitou a frente da casa com
bandeirolas. E que a música que
levou Radamés a jogar o copo para o teto foi "Lembrança que Ficou".
Finalmente, contou que, em algum lugar de sua casa, existe uma
fita de gravações que ele fez com
Raphael Rabello. A Prefeitura de
Recife ou o governo de Pernambuco devem ao Brasil o resgate e a
gravação desse momento que juntou dois dos maiores violonistas
da história.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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