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OPINIÃO ECONÔMICA
Erros antigos, ilusões modernas
RUBENS RICUPERO
Se o Brasil lograsse triplicar as
exportações em sete anos e as
elevasse a 30% do PIB, teria certamente resolvido o problema do
crescimento econômico, não? E se,
ainda por cima, ganhasse das
agências de crédito o cobiçado
"investment grade", reduzisse a
taxa de risco a pouco mais de 200
pontos-base e baixasse a carga
tributária a 12% do PIB, um terço
da atual, estaríamos no seio de
Abraão, certo? Errado, pois o México tem isso tudo e mais, o que
não impediu, nas eleições de domingo passado, que os eleitores
manifestassem seu desagrado fazendo o partido do governo perder cerca de 50 deputados.
Quase todas essas conquistas
-menos a baixa carga tributária, que se deve à receita petrolífera- foram alcançadas na década de 1990, em consequência ou
complemento da entrada em vigor do Nafta, um acordo de livre
comércio com os EUA semelhante
à Alca. Exatamente um mês
atrás, com a presença do diretor
do FMI e do secretário do Tesouro
americano, o México resgatava os
últimos "Brady bonds" de um total de US$ 35 bilhões, pondo fim
simbolicamente aos 20 anos da
crise da dívida externa desencadeada em outubro de 1982. Não
obstante progressos reais e admiráveis como esses, que o Brasil está longe de emular, um jornal liberal insuspeito de heterodoxia, o
"Financial Times", não hesitava
em intitular recente análise da situação mexicana de "a década
perdida do México". Como é possível?
O exemplo asteca ilustra a complexidade do fenômeno do desenvolvimento. Ele não se confunde
nem mesmo com uma série impressionante de indicadores positivos. Tampouco deve ser reduzido a fórmulas simplistas, panacéias universais como o livre comércio ou o Consenso de Washington. Após o choque de 1982,
o México voltou as costas às políticas do passado e resolveu integrar-se ao espaço econômico norte-americano. A opção fazia sentido pois permitia tirar partido da
vantagem da localização geográfica, os 3.000 quilômetros de fronteira com os EUA. Capitalizava
ademais a excepcional relação
política criada pela combinação
da contiguidade, a gigantesca comunidade de imigrantes ao norte
do rio Grande, o interesse de
Washington no suprimento seguro do petróleo, na estabilidade do
vizinho meridional.
Funcionou, pois de 1993 a 2000
as exportações saltaram de US$
51,8 bilhões para US$ 166,4 bilhões, quase tudo fruto do Nafta
(em vigor desde 1994), que possibilitou aumentar as vendas ao
mercado americano de US$ 42,5
bilhões para US$ 147,6 bilhões.
Agravou-se, todavia, a concentração excessiva das exportações
(85%) em relação aos EUA, cuja
desaceleração arrastou para baixo a economia mexicana e destruiu o sonho do presidente Fox.
Além de acentuar a dependência,
o Nafta atraiu um tipo de investimento duvidoso cujo caráter de
linha de montagem de insumos
importados é realçado pelo nome
expressivo de "maquiladoras"
que lhe deram os mexicanos. O
valor agregado, o conteúdo tecnológico adicionado são mínimos.
Há exceções, mas o grosso do pequeno valor acrescentado provém
da mão-de-obra local.
Ora, os custos desta última não
podem competir com os da China, onde a média da hora de trabalho é de US$ 0,27, três ou quatro vezes inferior à mexicana. O
resultado é que, de 2000 para cá,
540 maquiladoras se transferiram à China com 200 mil a 300
mil empregos, sobretudo em setores intensivos de mão-de-obra
(brinquedos, vestuário). Esse êxodo maciço de empregos alerta para o perigo de tornar o futuro de
um país refém da estratégia das
empresas transnacionais. O risco
é maior quando essa estratégia se
baseia na mera montagem de
componentes importados, gênero
volátil por excelência, incapaz de
aportar tecnologia ou capacidade
inovadora e tendente a agravar,
como vem ocorrendo no México,
a polarização entre as zonas fronteiriças de localização das fábricas e a estagnação do restante do
território.
Alguns avanços mexicanos merecem respeito. Ninguém pretende negar que o Nafta, a expansão
das exportações, o grau de investimento, podem ser fatores valiosos de desenvolvimento. Nenhum
deles, porém, nem mesmo o aumento espetacular das exportações, basta para garantir o crescimento acelerado e sustentável.
Na década de 1990, o México cresceu em média 3,1% por ano, quase o mesmo que o Brasil (2,9%),
que não dispõe de nenhum desses
fatores, e bem abaixo do Chile
(6,7%).
A China, campeã mundial de
crescimento, em via de desbancar
o México como segundo fornecedor dos EUA (o primeiro é o Canadá), nunca teve acordo comercial com os americanos, não goza
de nenhuma preferência, não era
membro do Gatt nem da OMC e,
sobretudo, jamais se aventurou
na liberalização de sua conta-capital. Conforme escreveu o professor Stiglitz, em alguns aspectos a
China fez exatamente o contrário
do recomendado pelo Consenso
de Washington, ao menos em privatização, liberalização comercial ou desregulamentação da
economia, o que não significa que
seu modelo seja aplicável a nós,
por exemplo.
Se algo nos ensina a China, conclui o "Financial Times", é que se
pode reformar a economia sem
recorrer à panóplia das ortodoxias de Washington. E, permito-me acrescentar, sobretudo sem repetir, como o Brasil e o México,
erros antigos: valorização cambial, dependência financeira excessiva, desigualdade e pobreza
(dos 100 milhões de mexicanos, 53
milhões são pobres e 24 milhões
são indigentes). Nem se deixar
enganar pela ilusão moderna de
que, sem direção estratégica do
Estado, sem política tecnológica,
industrial ou distributiva, os mercados e as transnacionais farão
por nós o que fomos incapazes de
fazer nós mesmos.
Rubens Ricupero, 66, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
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