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LUÍS NASSIF
O "Tico-tico no Fubá"
Não me canso aqui de elogiar a prodigalidade musical do Rio de Janeiro. Essa caixa
de ressonância, no entanto, acabou jogando para segundo plano músicos fantásticos que se
formaram fora da sua órbita de
influência.
É o caso de Zequinha de
Abreu, pianista contemporâneo
do grande Ernesto Nazareth e
que logrou construir uma obra
enorme de valsas singelas, menos sofisticadas que as do mestre carioca, mas de choros clássicos, com influência maior sobre
a formação do ritmo do que o
próprio Nazareth.
Zequinha é de 1880, paulista
de Santa Rita do Passa Quatro.
Dentre as suas valsas, existem
clássicos eternos da música brasileira, como "Branca" e "Tardes de Lindóia", que todos conhecem, e "Último Beijo", que
minha mãe conhecia e que foi
pouquíssimo gravada ("Quando eu te beijei a última vez / me
lembro claramente era noite de
luar"). Com todas as lembranças que a música me traz, não
ousaria dizer que pudessem se
equiparar aos clássicos "choppinianos" de Nazareth. Mas no
choro, meu amigo, sai de baixo:
"Os Pintinhos no Terreiro" e
"Não me Toques" trouxeram
uma contemporaneidade ao
choro que nem o próprio Nazareth foi capaz.
É de Zequinha um dos clássicos brasileiros, um dos clássicos
da música internacional, uma
das músicas mais gravadas do
mundo em todos os tempos, executada em todos os ritmos e sotaques: o "Tico-tico no Fubá".
Experimente baixar no seu
computador um desses programas de download de música, como o KaZaa, e terá uma pálida
idéia do que estou lhe dizendo.
Se der sorte, conseguirá a gravação extraordinária da organista
Ethel Smith, de 1941, com sucesso tão retumbante, que acabou
por ser incluído na trilha sonora
de cinco filmes americanos da
época, alguns com enorme sucesso como "Escola de Sereias",
"Alô Amigos", "A Filha do Comandante", "Kansas City Kity"
e "Copacabana".
Poderá conseguir a gravação
de Carmen Miranda, de 1945,
uma interpretação portentosa,
ou de Dalida, contemporânea,
com seu embalo particular. Poderá ouvir "Tico-tico" orquestrado por Michel Legrand e
Mantovani, Roberto Inglez e
Ray Conniff, Prado Perez em
mambo, Orquestra Tabajara
em frevo, e Henry Mancini. Ou
swingado por Stan Kenton,
Charlie Parker e Tommy Dorsey. Pensará que é uma peça flamenga, com Paco de Lucia. Ou
um jambo alucinado, com Desi
Arnaz. Ouvirá em bandolim de
diversos sotaques, como Les
Brown e David Grisman, um
americano fantástico, ou os cavaquinhos de Waldir Azevedo e
Garoto. Ouvirá com pianistas
célebres -Daniel Barenboim,
Moreira Lima, Jacques Klein a
Liberace. E até um hip-hop divertidíssimo de Lou Brega.
Dentre minhas gravações favoritas estão quatro clássicos: a
do argentino Oscar Aleman, a
insuperável do Paquito de Rivera, a de Raphael Rabello, Armandinho e Paulo Moura, e a
de Pixinguinha e Benedito Lacerda.
E, no entanto, essa música que
ajudou a consagrar o choro brasileiro no mundo, é de 1917. Naquele ano nasceu como "Tico-tico no Farelo", mas como tinha
música com esse nome do Américo Jacomino (o "Canhoto", do
"Abismo de Rosas"), virou "Tico-tico no Fubá". Ganhou letra
de Eurico Barreiros em 1931 e só
naquele ano recebeu a primeira
gravação, da Orquestra Colbaz,
do histórico maestro Gaó. Parte
da história foi contada no filme
"Tico-tico no Fubá" de 1952, devidamente romanceado. Zequinha era vivido por Anselmo
Duarte, o maior galã da época.
No filme, Zequinha era funcionário público na sua Santa Rita
do Passa Quatro, que se torna
noivo de Durvalina (vivida por
Marisa Prado), mas se apaixona pela amazona de um circo
que visita a cidade, a clássica
Tonia Carrero. Depois rompe
com a amazona, passa a beber,
fica doente, muda-se para São
Paulo e reencontra a musa a
tempo de tocar pela última vez o
"Tico-tico" e morrer.
Zequinha morreu cedo, em 22
de novembro de 1935, aos 55
anos. Teve tudo para uma vida
tranquila. Tocava na Casa Beethoven, na rua Direita, em bares
da noite, tinha seu conjunto, recebia salário mensal dos Irmãos
Vitale, em troca de lhes entregar
uma composição por mês. Mas
tinha alma de artista.
Deixou a viúva Durvalina,
mais oito filhos cujos nomes começavam por D. E, talvez, a alma partida de uma amazona de
circo, que talvez nem tenha existido, mas que, de qualquer forma, não importa.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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