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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O avanço da China no comércio internacional
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Na semana passada, o FMI
publicou um estudo -assinado por dois economistas do Departamento Ásia-Pacífico- sobre a evolução do comércio exterior da China. O trabalho de Thomas Runbaugh e Nicolas Blancher começa por registrar um fenômeno que se supõe conhecido:
tanto as exportações como as importações chinesas cresceram, nos
últimos 20 anos, acima das taxas
de expansão do comércio mundial. O ritmo de crescimento das
exportações e das importações ganhou força no início dos anos 90 e
se acelerou ainda mais a partir de
1994, com a desvalorização do
yuan, a moeda chinesa. Esse desempenho, é óbvio, determinou
um aumento da participação chinesa no comercio global de 1%,
em 1980, para 5,8% em 2003 (período de janeiro a junho).
Em seu movimento de expansão, o comércio exterior chinês revela algumas peculiaridades.
1) As exportações ganharam espaço rapidamente, sobretudo na
década de 90, nos mercados da
tríade desenvolvida (União Européia, Estados Unidos e Japão), enquanto o crescimento das importações favoreceu a produção dos
vizinhos asiáticos. Assim, entre
1980 e 2003 (período de janeiro a
junho), as exportações chinesas
para o Japão, calculadas sobre as
importações totais deste país, passaram de 3,1% para 18,8%. Nos
Estados Unidos, as vendas made
in China evoluíram de 0,5% para
11,3% no período considerado. Já,
na Europa, o avanço foi mais modesto: de 0,7% para 6,9%.
2) As importações da China no
início dos anos 80 estavam concentradas na tríade desenvolvida:
o Japão respondia por 26% do total; os Estados Unidos, por 19,6%;
e a União Européia vinha logo
atrás com 15,8%. Os demais países asiáticos tinham participações
desprezíveis: até 1990, a participação de Taiwan era nula e a Coréia do Sul contribuía com 0,4%
das importações. Em 2003, a Ásia,
inclusive o Japão, abocanhou
54,1% do total das importações
chinesas, observando-se uma
queda na fração japonesa
(17,75%) e aumentos significativos no market share da Coréia
(9,5%), de Taiwan (11,6%) e do
grupo formado pela Malásia, pela
Tailândia, pela Indonésia e por
Cingapura (10,5%). No período
considerado, caíram significativamente as participações dos Estados Unidos (8,5% em 2003) e da
União Européia (12%) no total
das importações chinesas.
Essas transformações ocorridas
ao longo dos últimos 20 anos foram acompanhadas de mudanças importantes nas pautas de exportação e de importação da China, bem como na distribuição de
déficits e superávits no comércio
bilateral. Os dados do estudo do
FMI mostram uma rápida graduação tecnológica das exportações chinesas, que passam da predominância dos chamados bens
de consumo leves, como têxteis,
vestuário, calçados, para equipamentos elétricos, partes e peças
das indústrias aeronáutica e automobilística, bens de informática e eletroeletrônicos de consumo.
As importações, por sua vez, incluem crescentemente peças e
componentes industriais de alta
densidade tecnológica para o
abastecimento das indústrias exportadoras.
Desde 1994, a balança comercial chinesa (excluído Hong
Kong) é superavitária em relação
aos Estados Unidos e à União Européia. O saldo positivo com americanos e europeus era de US$ 16
bilhões e de US$ 5 bilhões, respectivamente. Em 2003, o superávit
em relação aos Estados Unidos
mais que quadruplicou, chegando a US$ 55 bilhões; em relação à
União Européia, foi de US$ 18 bilhões, ou seja, mais que triplicou.
Em compensação, a China é deficitária em relação aos vizinhos.
Japão (US$ 14 bilhões em 2003),
Coréia (US$ 21 bilhões), Taiwan
(US$ 37 bilhões), os tigres de segunda geração (US$ 15 bilhões) e
o resto da Ásia (US$ 22 bilhões)
vêm acumulando superávits crescentes em relação à China.
O superávit total da balança comercial chinesa vem caindo: em
2003, foram registrados US$ 25
bilhões, contra US$ 40 bilhões em
1997. Essa queda foi determinada
também pelo formidável aumento da demanda chinesa de matérias-primas e de alimentos que,
entre outros cometimentos, provocou aumento generalizado de
preços e ajudou a melhorar o desempenho da balança comercial
brasileira.
O ingresso de investimento direto estrangeiro nos setores afetados pelo comércio continua reforçando a expansão das exportações para a tríade desenvolvida e
provocou a rápida elevação do
superávit comercial. Tais políticas constituíram, sobretudo,
meios para a acumulação de reservas em moeda forte, o que permitiu a estabilização da taxa de
câmbio em torno de 8,23 yuans
por dólar. Essa estratégia vem
permitindo uma maior liberdade
na execução das políticas fiscais e
monetárias compatíveis com o
crescimento da demanda doméstica e com a modernização da infra-estrutura do país.
A China funciona, portanto, como uma colossal correia de transmissão de demanda mediante os
sinais trocados das exportações líquidas dos países desenvolvidos,
deficitários, para os países em desenvolvimento, superavitários. É
um jogo que, nas circunstâncias
atuais, pressupõe a reprodução
instável dos "desequilíbrios" globais, particularmente a manutenção do papel dos Estados Unidos como "consumidor e devedor" em última instância.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp
(Universidade de Campinas). Foi chefe
da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência
e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
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