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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Outra vez salvos pelo gongo
LUCIANO COUTINHO
Muitos analistas têm advertido para os graves riscos contidos na reversão de uma
vigorosa bolha cíclica tal como a
observada nos Estados Unidos na
segunda metade dos anos 90.
Uma deflação aguda de preços no
mercado de ativos poderia ter deflagrado processos de enorme potencial destrutivo na economia.
Felizmente isso foi, até agora, evitado. A reversão do ciclo americano veio no final de 2000 com uma
forte queda do investimento privado, altamente concentrado no
setor de tecnologias da informação. Como é sabido, uma reversão
desse tipo leva a uma contração
dos lucros nos setores que lideram
a expansão num curto intervalo
de tempo. Isso afetou particularmente as empresas da Nasdaq cujo índice de preços iniciou uma
derrocada, saindo de mais de
5.000 pontos para os 1.373 pontos
de sexta-feira. O risco mais grave,
porém, teria sido uma contaminação virulenta do Dow Jones.
Uma queda abrupta e mais acentuada desse índice poderia ter levado a uma súbita retração do
gasto das famílias e das empresas,
criando uma espiral deflacionária de enormes proporções.
Em meados de 2001, essa ameaça estava latente. Evidências disso: quedas pronunciadas da atividade industrial e aumento da
inadimplência das empresas e
das famílias. Outro risco grave estava relacionado com o comportamento dos investidores estrangeiros. Diante de uma forte deflação de ativos, não haveria como
manter o dólar sobrevalorizado.
O desafio era tremendo. O Fed tinha de segurar a queda de preços
nos mercados de ativos, impedir a
retração forte do consumo e evitar a desvalorização abrupta do
dólar.
O presidente do Fed, Alan
Greenspan, conduziu o barco com
inegável maestria. Fez reduções
sucessivas da taxa de juros em
momentos certos e em doses precisas, proporcionou oferta abundante e oportuna de liquidez para
facilitar as desalavancagens e
exerceu sua credibilidade para
induzir as expectativas do mercado. De outro lado, a veloz reversão do superávit fiscal para uma
posição deficitária (de US$ 127 bilhões positivos em 2001 para cerca
de US$ 150 bilhões negativos em
2002) provocada pelos cortes de
impostos e pelo aumento de gastos militares promovidos pelo governo Bush e pela queda pró-cíclica das receitas tributárias também contribuiu para evitar a deflagração de um processo recessionista grave. Os instrumentos
anticíclicos, fiscal e monetário, foram acionados com presteza e no
limite.
No primeiro trimestre deste
ano, tudo parecia sob controle. A
expectativa era que a economia
americana logo viesse a liderar
uma reativação global. Nos últimos três meses, porém, verificou-se impressionante deterioração
da confiança. A recuperação econômica dos EUA perdeu gás, o
preço do petróleo repicou transitoriamente por causa da guerra
na Palestina e dos conflitos políticos na Venezuela, as Bolsas foram
abatidas por sucessivas fraudes
contábeis (como nos casos da
Enron e da WorldCom), as taxas
de risco dos países emergentes (especialmente os da América Latina, com o Brasil à frente) voltaram a subir. A onda de pessimismo começou a minar o fluxo de
capitais para o mercado americano e o dólar começou a se depreciar ante o euro e o iene.
Dado o imenso déficit externo
americano (US$ 420 bilhões), a
redução dos influxos de capitais
tende a provocar tensões muito
perigosas. Investidores japoneses
e europeus detêm nos Estados
Unidos uma parcela muito relevante dos títulos públicos, bônus
privados e ações -uma fuga maciça por parte desses investidores
pode causar a desvalorização
abrupta do dólar, redundando
em gravíssimas perdas patrimoniais. A deflação abrupta da riqueza provocaria recessão nos Estados Unidos; uma apreciação
ainda mais forte do euro e do iene
afetaria as respectivas exportações e bloquearia a reativação
econômica da Europa e do Japão.
Os riscos pululam. Este cenário é
um pesadelo para o G3.
Essa conjuntura muito delicada
nos mercados desenvolvidos termina por suavizar temporariamente as coisas para nós. O gongo
nos salva outra vez. Em outubro
de 1998, uma situação de grave
crise financeira decorrente da
quase falência de um grande fundo americano de investimento (o
LTCM) tornou imperioso evitar
uma quebra simultânea do Brasil. Nesta semana, a viagem do dr.
Armínio Fraga aparentemente
logrou reverter a posição hostil do
Tesouro dos Estados Unidos.
Houve sinalização deste e do FMI
à banca e aos mercados para restaurar o crédito ao país. Resta esperar as consequências positivas,
mas, para isso, será necessário
que haja algum apoio financeiro
efetivo ao Brasil. Com o governo
vulnerável a pressões (lembrete:
concorrência da FAB), a nossa
fragilidade externa vai ser, mais
uma vez, remendada a esparadrapo. Menos ruim. Mas o abacaxi ácido passa para 2003.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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