|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RETOMADA EM XEQUE
Boletim da instituição critica política econômica e diz que melhora de indicadores é fruto do bom humor externo
Lula será "FHC com deságio", prevê Unicamp
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo Lula adotou a política econômica de Fernando Henrique Cardoso e deve colher os
mesmos resultados: espasmos de
crescimento seguidos de ajustes
recessivos. Pior, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) recebeu a economia em situação mais
delicada do que seu antecessor, o
que limita mais a possibilidade de
o país entrar num ciclo de crescimento sustentável. Do ponto de
vista econômico, Lula só conseguirá ser "um FHC com deságio".
A avaliação é dos economistas
Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo
Carneiro, da Unicamp (Universidade de Campinas), que lançam
amanhã um boletim de conjuntura no qual pesquisadores da instituição analisam a política econômica do governo.
Para ambos, o que começou como um recuo tático do governo
-a adoção de uma política conservadora para acalmar o mercado financeiro-, transformou-se
em uma armadilha: sempre em
busca de credibilidade, o governo
é obrigado a adotar, cada vez em
maior grau, as mesmas políticas
conservadoras. Assim, quanto
mais se busca a confiança dos
mercados, menos chances o governo tem de adotar uma política
alternativa. É o que eles chamam
de "paradoxo da credibilidade".
O problema, lembram, é que a
política adotada agora é exatamente a mesma que fez com que a
economia brasileira crescesse
modestos 2,5% anuais (em média) entre 1994 e 2002. Os raros
anos de crescimento daquele período podem inclusive não se repetir. "As condições são muito
piores. O endividamento público
é mais alto, o nível de emprego,
menor, a renda está mais retraída
e não há mais como aumentar a
carga tributária para gerar mais
superávit fiscal", diz Belluzzo.
Tanto Belluzzo quanto Carneiro
fazem uma concessão: existe uma
probabilidade de que a combinação de metas de inflação, câmbio
flutuante e aperto fiscal dê certo.
Só que a probabilidade é pequena
e depende mais ou menos de uma
condição: o mundo mudar.
A economia internacional precisa crescer, os mercados externos
devem continuar inundados de
dinheiro e de gente disposta a financiar empresas e países emergentes, o Brasil precisa crescer
sem que a balança comercial perca fôlego. Ou seja, nada do que
aconteceu nos anos 90 -crises na
Ásia, na Rússia, no México, nas
Bolsas e na economia dos EUA-
pode ocorrer nos próximos anos.
Herança maldita
No boletim, eles admitem que
Palocci recebeu uma "herança
maldita". A avaliação inclusive é
que a herança é mais antiga do
que sugere o governo atual. Ela teria origem na abertura financeira
e comercial brasileira, no início
dos anos 90. Feitas de forma
abrupta e precipitada, ambas tornaram o país muito vulnerável a
pequenos e grandes temores na
economia internacional.
"Mas o governo não fez nada
para acabar com ela", diz Carneiro. Parte da melhora dos indicadores de conjuntura, como a queda do risco-país, por exemplo, estaria mais associada ao momento
de euforia no mercado internacional do que à melhora do desempenho econômico brasileiro.
"Há um apetite enorme por papéis no mercado internacional. O
resultado foi uma queda significativa do custo de financiamento de
todos os países, não só do Brasil",
analisa Daniela Prates, co-autora
do documento. O problema é que,
como em outros períodos, uma
crise localizada pode levar a uma
revoada dos investidores, fazendo
os riscos subirem e as fontes de financiamento secarem.
Aparentemente, diz Carneiro, a
política deu certo, "mas o governo
não tem controle de nada". O
câmbio é livre. O financiamento
externo depende do humor dos
mercados. As exportações, de um
câmbio desvalorizado. A algum
sinal de crise, resta ao governo o
instrumento da recessão: aumentar os juros e apertar os gastos.
Ele avalia que a combinação do
sistema de metas de inflação com
câmbio flutuante fatalmente levará o Brasil a uma trajetória que os
economistas chamam de "stop-and-go": pequenos surtos de crescimento seguidos de recessão.
Em momentos de otimismo como o atual, o câmbio se valoriza,
investidores e empresas trazem
recursos para o Brasil, as exportações perdem um pouco de fôlego
e as importações começam a crescer. "Temos um superávit comercial recorde, mas a pauta de exportações não mudou. A grande
dúvida é se esse saldo é compatível com crescimento econômico",
diz Carneiro. O dólar barato também aumenta os gastos de brasileiros no exterior. O resultado:
uma piora nas contas externas.
Com a piora, uma pequena mudança no humor dos mercados é
suficiente para desvalorizar o
câmbio, segundo o economista.
Dólar mais alto ajuda as exportações. As contas externas voltam a
se ajustar, mas à custa de recessão:
o dólar alto pressiona preços e,
para preservar a meta de inflação,
o governo tem que subir os juros.
A saída, na avaliação de Carneiro, seria o governo adotar algum
mecanismo de controle de capitais, evitando oscilações muito
fortes do câmbio e mantendo o
real em níveis que estimulem as
exportações. Mas ele não vê espaço nem disposição do governo
para adotar a mudança.
Belluzzo vê ainda outro problema na política de câmbio flutuante do governo: ela inibiria o investimento estrangeiro produtivo no
país. "Quando alguém investe,
quer saber a que preço poderá
vender seus produtos no mercado
internacional Ou seja, ele precisa
ter o mínimo de previsibilidade
da taxa de câmbio", diz.
Os economistas da Unicamp
admitem que 2004 pode ser um
ano de crescimento, mas avaliam
que a economia terá muito menos
fôlego para crescer do que em
1994, por exemplo, ano do lançamento do Plano Real, quando o
Brasil cresceu 5,8%.
Os motivos: falta de renda, o governo não vai poder gastar como
fazia naquele ano, o crédito, por
mais que se expanda, não levará
dinamismo a todos os setores.
Carneiro lembra que o ajuste
deste ano "comeu" 15% da renda
dos brasileiros. O alto desemprego também levou a uma maior informalização do mercado de trabalho: quase metade dos trabalhadores não tem emprego formal
e, portanto, terá maior dificuldade para acessar mecanismos de
crédito. Sem renda e com restrição de crédito, 2004 dificilmente
seria o ano do "espetáculo de
crescimento".
Texto Anterior: Para relator, mudança ajuda na aprovação Próximo Texto: Política fiscal é insustentável, diz economista Índice
|