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COMUNICAÇÃO
Com queda na receita publicitária e prejuízo de R$ 7 bilhões em 2002, setor já cortou 17 mil vagas em dois anos
Mídia nacional acumula dívida de R$ 10 bi
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
Com uma dívida estimada de
R$ 10 bilhões, a mídia brasileira
enfrenta a maior crise da sua história recente. Em dois anos, segundo dados do Ministério do
Trabalho, as empresas de comunicação -rádios, TVs, jornais,
revistas e agências de notícias-
cortaram 17 mil empregos.
Estima-se que as empresas de
comunicação acumularam prejuízo de R$ 7 bilhões em 2002, dos
quais R$ 5 bilhões foram registrados pela Globopar -holding das
Organizações Globo. A receita líquida do setor naquele ano foi
20% menor, em valores reais
(descontada a inflação), do que a
de 2000.
As empresas apostaram no
crescimento da economia e na estabilidade do câmbio, na segunda
metade dos anos 90, e se endividaram em dólar para diversificar
os negócios e aumentar a capacidade de produção. Segundo um
relatório que o próprio setor enviou ao BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico
e Social) em outubro último, 80%
das dívidas são em dólar, e 83,5%
têm vencimento em curto prazo.
Entre 2000 e 2002, a circulação
de revistas caiu de 17,1 milhões
para 16,2 milhões de exemplares/
ano, enquanto a de jornais caiu de
7,9 milhões de exemplares/dia para 7 milhões.
O bolo publicitário -dividido
entre todas as empresas de mídia- diminuiu de R$ 9,8 bilhões
em 2000 para R$ 9,6 bilhões em
2002 (em valores sem correção).
Para Nelson Sirotsky, presidente do Grupo RBS (Rede Brasil Sul,
com 4.300 funcionários), a crise
atingiu o fundo do poço em 2002.
No segundo semestre de 2003,
segundo pesquisa de investimento em publicidade do Projeto Inter-Meios, começou uma recuperação. A receita de janeiro a setembro cresceu 7,9%, em relação
a igual período do ano anterior.
Segundo o presidente da ANJ
(Associação Nacional de Jornais)
e do Conselho de Administração
do Grupo O Estado de S. Paulo,
Francisco Mesquita Neto, todos
os jornais, em graus variados, haviam investido na informatização
das redações e na compra de impressoras novas para aumentar a
tiragem e ter edições coloridas.
Foram gastos entre US$ 600 milhões e US$ 700 milhões na compra de rotativas e no aumento do
parque gráfico, a partir de 95.
O grosso da dívida acumulada
vem de novos negócios: TV por
assinatura, telefonia e internet. O
setor imaginava que haveria uma
rápida convergência entre a mídia
tradicional e as telecomunicações
e temia o fim da mídia impressa e
a dominação do mercado pelas
companhias telefônicas.
Sem capital próprio suficiente e
sem linhas de crédito de longo
prazo no país a juros compatíveis
com o retorno dos investimentos,
as empresas se endividaram em
moeda externa.
As Organizações Globo respondem por 60% do endividamento
total de R$ 10 bilhões. A Globopar
tem uma dívida equivalente a US$
1,9 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões)
e deixou de pagar aos credores em
outubro de 2002.
Essa cifra não inclui as dívidas
da Infoglobo -que edita os jornais "O Globo", "Extra", "Diário
de S. Paulo" e é parceira do Grupo
Folha (Folha da Manhã S.A.) no
"Valor Econômico"- e das emissoras de rádio, que estão fora da
estrutura da Globopar.
No dia 11 de dezembro último,
três fundos de investimentos norte-americanos entraram com
ação na Corte de Falências do Distrito Sul de Nova York, pedindo a
intervenção da Justiça dos EUA
na renegociação das dívidas da
Globopar. O pedido ainda não foi
julgado, mas a empresa sustenta
que tem condições de conduzir
sua reestruturação e de pagar aos
credores.
Dinheiro farto
O endividamento da Globo vem
dos investimentos feitos, a partir
de 95, em TV a cabo (Net Serviços), em TV por satélite (o projeto
Sky, em parceria com Rupert
Murdoch) e na Globosat.
A abertura do mercado de telecomunicações, com o surgimento
de novos serviços, e o fim do monopólio estatal da telefonia provocaram uma euforia de investimentos nesse setor, que se prolongou até a privatização da Telebrás, em 1998.
"Durante o boom, havia dinheiro sobrando. Todos os investidores estrangeiros queriam aplicar
no Brasil, sem questionar os projetos", afirma o diretor de Planejamento e Controle da Globopar,
Jorge Nóbrega.
O otimismo se estendia ao mercado da mídia impressa. Era época de câmbio estável (US$ 1 valia
R$ 1), crédito estrangeiro farto,
crescimento do mercado publicitário e otimismo com o aumento
da circulação de jornais e revistas.
A circulação média diária dos
jornais saiu de 4,3 milhões, em 90,
para 6,6 milhões de exemplares,
em 95, o que correspondeu a
53,5% de aumento.
Depois de uma pequena redução em 96, quando caiu para 6,5
milhões, a circulação de jornais
continuou crescendo, até atingir o
pico de 7,9 milhões de exemplares/dia em 2000, graças, principalmente, ao lançamento de novos
jornais populares.
Em 95, o Grupo Folha inaugurou seu novo parque gráfico, em
Tamboré (Grande São Paulo),
que custou, na ocasião, US$ 120
milhões, investimento pago na
época com recursos próprios. Em
96, lançou o provedor de acesso à
internet UOL (Universo Online) e
a Plural, gráfica comercial em
parceria com a norte-americana
Quad Graphics. Em 99, o Grupo
Folha lançou o jornal "Agora" e,
em 2000, associou-se às Organizações Globo para lançar o "Valor
Econômico".
Embora o Grupo Folha tenha
investido em internet e gráfica comercial, seu endividamento, de
R$ 290 milhões, vem principalmente dos investimentos feitos
nos jornais "Agora" e "Valor Econômico".
Segundo o presidente do Grupo
Folha, Luís Frias, a dívida do grupo (Folha, UOL e Plural) "não é
grande, se considerada a geração
de caixa própria. O Ebitda ["earnings before interest, taxes, depreciation and amortization". Em
português: Lajida, lucro antes de
juros, impostos, depreciação e
amortização] do grupo será superior a R$ 150 milhões em 2004. Isso representa uma relação dívida/Ebitda menor que duas vezes".
Em 98, as Organizações Globo
lançaram, simultaneamente, o
jornal popular "Extra", no Rio
-para concorrer com "O Dia",
que havia batido "O Globo" em
circulação aos domingos-, e a
revista "Época", em São Paulo. O
jornal consumiu R$ 30 milhões
em investimentos, e a revista, US$
40 milhões. Em 2001, após o investimento no "Valor Econômico", o Grupo Globo comprou o
"Diário Popular" (atual "Diário
de S. Paulo") do ex-governador
de São Paulo Orestes Quércia, pelo valor estimado de R$ 200 milhões.
O otimismo era geral. Em 98, o
jornal "O Dia" tomou US$ 20 milhões de empréstimos no exterior
para expandir seu parque gráfico
e chegou a acumular uma dívida
interna de R$ 20 milhões de capital de giro.
A presidente da empresa, Ariane Carvalho, diz que a dívida interna foi paga e a externa foi renegociada com o Eximbank, no ano
passado, com adiamento do prazo para pagamento do principal
de 2004 para 2007.
A Rede Bandeirantes, também
em 98, emitiu US$ 100 milhões em
eurobônus (títulos emitidos em
euros) para quitar dívidas em
reais, comprar novos equipamentos (câmeras e ilhas de edição) e
para lançar a novela "Serras
Azuis" e um humorístico em parceria com a Sony. A novela e o humorístico foram um fracasso de
audiência.
Antonio Teles, consultor da
presidência da Bandeirantes, diz
que, além da fartura de recursos
externos, a juros convidativos, havia a convicção de que a estabilidade do Plano Real e a paridade
do dólar seriam "para sempre".
Segundo Teles, a Band suspendeu o pagamento da dívida externa em 2002 e estuda uma proposta de renegociação a ser apresentada aos credores.
Projeções irreais
As empresas que arriscaram investir em TV por assinatura dizem que o governo, os bancos, os
consultores, os investidores e elas
próprias superestimaram o potencial do mercado brasileiro.
A Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações), responsável
pela venda das concessões, previa
10,1 milhões de assinantes de TV
por assinatura em 2003, quando o
número real é de 3,5 milhões.
Roberto Civita, presidente do
Grupo Abril, diz que os investimentos feitos em TV por assinatura foram a principal razão do
endividamento da empresa, que
fechou o balanço financeiro de
2002 com uma dívida de R$ 926
milhões.
"Fiz um esforço para esquecer o
quanto investimos nessa área,
mas foi bem mais do que a nossa
dívida", resume o empresário. A
Abril é acionista majoritária da
TVA (sistema de TV paga com
transmissão por cabo e por microondas) e foi acionista da DirecTV, via satélite.
Civita diz que o endividamento
se deve ao custo do capital no Brasil, e não a erros estratégicos. "A
dívida da Abril, comparada ao tamanho da empresa, seria pequena em qualquer país com custo financeiro razoável. Estamos sendo
punidos pela ousadia, pela confiança e pela fé. Mas a gente vai
sair da crise e voltar a crescer."
Telefonia
A Globopar poderia estar em situação pior, se não tivesse desistido das duas empresas de telefonia
celular que comprou (Tele Celular Sul e Tele Nordeste Celular),
no leilão de privatização da Telebrás, em julho de 98, em parceria
com a Telecom Italia e com o banco Bradesco. Ela saiu, antes de colocar dinheiro no empreendimento, em dezembro de 98.
O investimento em telefonia foi
uma das causas do endividamento dos grupos RBS e Estado (que
edita o jornal "O Estado de S. Paulo"). A RBS declara ter US$ 125
milhões (cerca de R$ 370 milhões,
pelo câmbio atual) de dívida. Estimativas do mercado, porém, calculam que esse montante atinja
R$ 450 milhões. O Grupo Estado
divulgou possuir dívida de R$ 384
milhões no balanço financeiro de
2002.
O presidente da RBS, Nelson Sirotsky, diz que a situação financeira do grupo está equacionada,
mesmo se não houver liberação
de recursos pelo BNDES. A RBS
foi, segundo ele, a primeira empresa de mídia a apostar em TV a
cabo (Net Sul) e em telefonia. Foi
acionista da telefônica CRT (Cia.
Riograndense de Telecomunicações) e da empresa de telefonia
celular BCP, mas vendeu sua parte nas teles em 98 e passou o controle da Net Sul para a Globo Cabo em 2001.
"Fomos o primeiro grupo de
comunicação a entrar em telefonia e o primeiro a sair. Voltamos a
nos posicionar como um grupo
regional", diz Nelson Sirotsky.
Para financiar os investimentos
em telefonia e em TV a cabo, o
grupo lançou US$ 175 milhões em
títulos de dívida no exterior, dos
quais, segundo seu presidente,
US$ 50 milhões foram quitados.
O Grupo Estado foi acionista
minoritário da empresa de telefonia celular BCP, que acabou vendida ao grupo mexicano Telmex,
no ano passado, após passar por
longa crise. Segundo informações
do mercado, os acionistas teriam
perdido 95% do capital investido.
O Grupo Estado tomou empréstimos de US$ 120 milhões no
exterior para investimento no
parque gráfico e na BCP.
"Havia um cenário estratégico
que quase te obrigava a tomar essas decisões, mas as projeções foram frustradas depois da desvalorização cambial, da queda da economia brasileira e do ataque terrorista de 11 de setembro", diz
Francisco Mesquita Neto.
"A crise provocou um atraso no
vôo de crescimento que imaginávamos. Há dois anos estamos
olhando apenas para dentro das
empresas", diz ele. O Grupo Estado anunciou a conclusão da renegociação com seus credores, em
dezembro do ano passado. Foi
um longo processo, que resultou
no afastamento da família Mesquita dos cargos executivos. Francisco Mesquita Neto, ex-diretor-superintendente do grupo, assumiu a presidência do Conselho de
Administração. A família participa da orientação estratégica e editorial, mas saiu do dia-a-dia.
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