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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A globalização como ela foi
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Num artigo publicado na
sexta-feira, 13 deste mês, no
jornal "Valor Econômico", o professor da Universidade Columbia
e consultor financeiro Michael
Pettis faz previsões aflitivas sobre
a economia brasileira. Para ele, o
Brasil precisa "preparar o palco
para uma recuperação econômica o mais breve possível, e, para
isso, os dirigentes do país precisam ter um plano que enfrente o
problema da dívida no contexto
das condições financeiras mundiais".
Pettis está convicto da necessidade de reestruturação da dívida
em moeda estrangeira. Sem isso,
argumenta, não haverá espaço
para a queda dos juros, para a estabilização do câmbio e -não é
preciso dizer- muito menos para a elevação das taxas de crescimento. Essa combinação nefasta,
em sua opinião, impedirá uma
trajetória sustentável do endividamento público interno, o que
vai debilitar ainda mais a confiança dos investidores.
Podem-se comprar ou não os
vaticínios de Pettis ao preço pelo
qual ele os está vendendo. Ainda
assim, recomenda-se, sobretudo
às almas panglossianas, atentar
para algumas observações registradas no tenebroso artigo do
ilustre professor. Não são idéias
especialmente originais e, por isso
mesmo, nos tempos de hoje, talvez sejam importantes. Antes, porém, de entrar no assunto propriamente dito, cumpre lembrar:
Pettis foi um dos raros analistas
da metrópole a se dar conta da
natureza profunda da assim chamada "globalização".
"A década de 90", diz ele, "foi
um período de liquidez global historicamente alta, em que os investidores do mundo todo estavam
dispostos a assumir riscos consideráveis para obter altos retornos. Sua disposição de assumir
riscos os levou a mercados tão diversos como o novo e não testado
setor de tecnologia, títulos de alto
risco americanos e europeus, derivativos complexos e países em desenvolvimento".
Em meados dos anos 90, já deveria ser óbvio para os homens de
boa-fé e inteligência mediana que
a finança global estava prestes a
criar uma "bolha" de proporções
ciclópicas. Essa não foi, desgraçadamente, a percepção dos "renovados" da social-democracia à
brasileira, que, a despeito das
mentes brilhantes, enfiaram o pé
na jaca sem dó nem piedade.
O Brasil e outros grandes países
latino-americanos, até então submetidos às condições de ajustamento impostas pela crise da dívida externa de 82, foram literalmente capturados pela "bolha" financeira global. Todos executaram seus programas de estabilização de acordo com as normas
dos mercados financeiros liberalizados, que corriam atrás de ativos que pudessem ser encampados pelo movimento geral de concentração e centralização do capital em escala mundial. Nesse
rol, estão incluídos títulos da dívida pública, em geral curtos e de
elevada liquidez, ações de empresas em processo de privatização,
bônus e papéis comerciais de empresas e bancos de boa reputação
e, posteriormente, ações depreciadas de empresas privadas, especialmente daquelas mais afetadas
pela abertura econômica e pela
valorização cambial.
Diante da inconversibilidade
das moedas recém-estabilizadas,
esses ativos deveriam prometer
elevados ganhos de capital e/ou
embutir prêmios de risco em suas
taxas de retorno. Criou-se assim
uma situação na qual a rápida
desinflação é acompanhada por
uma queda muito mais lenta das
taxas nominais de juros. As taxas
reais não podem ser reduzidas
abaixo de determinados limites
estabelecidos pelos "spreads" exigidos pelos investidores estrangeiros para adquirir e manter em
carteira um ativo denominado
em moeda inconversível.
Nos portfólios dos grandes investidores dos mercados globalizados os ativos oferecidos pelas
economias com histórias monetárias turbulentas são naturalmente os ativos de maior risco e, portanto, aqueles que se candidatam
em primeiro lugar a movimentos
de liquidação, no caso de mudanças no ciclo financeiro mundial.
Independentemente do que possa
ocorrer com o ciclo financeiro, os
mercados emergentes também estão, em geral, mais sujeitos às alterações nas opiniões dos mercados quanto à sustentabilidade
dos respectivos regimes cambiais.
Isso significa que os seus processos
de estabilização macroeconômica
são indubitavelmente vulneráveis, em proporção direta ao grau
de dependência do ingresso de recursos externos.
Pettis não tem nenhuma dúvida: "As condições mudaram dramaticamente nos últimos anos e é
importante reconhecer que a mudança ocorreu de maneira permanente. (...) Esse processo parece não ter fim porque cada crise
aumenta permanentemente a
fragilidade do sistema. (...) Os investidores estão cada vez menos
capazes de suportar a volatilidade e, à medida que se retiram, vai
demorar mais para trazê-los de
volta".
Em bom português: a "bolha"
estourou. As vítimas preferenciais
na nova era, a de aversão ao risco,
serão os mais endividados, sejam
empresas, indivíduos ou países.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 59, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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