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LUÍS NASSIF
O presidente bossa-nova
O país comemorou cem
anos de nascimento de Juscelino Kubistchek, consagrando-o como um dos estadistas do século 20. Virou referência nacional, de FHC a Lula.
Na vida nacional, jamais houve presidente tão cativante. Não
era distante como Getúlio Vargas, fechado, ensimesmado, solitário. Nem elitista como Fernando Henrique Cardoso, mais à
vontade nos salões do que nas
ruas. Anos atrás, aliás, na casa
do deputado federal Carlos Mosconi, ouvi um CD com serestas
brasileiras, com duas faixas cantadas por JK. O "Peixe Vivo" virou espécie de hino nacional de
JK, assim como as canções das
serestas de Diamantina. O presidente pé-de-valsa, o "presidente
bossa-nova", como na sátira célebre de Juca Chaves: "Bossa nova, mesmo, é ser presidente / desta terra descoberta por Cabral".
Na vida pública, havia vários
JK. O mais conhecido era o conciliador, o homem capaz de unir
o PSD e o PTB na montagem da
mais sólida aliança política que
o país conheceu até o governo
FHC. E havia o construtor, o realizador sem limites dos "50 anos
em cinco", o intuitivo genial. Seu
governo foi o primeiro a trabalhar de maneira ampla o conceito de planejamento estratégico,
desenvolvido no pós-guerra, e a
abrir as portas da economia para a industrialização.
Uma terceira faceta de JK era a
coragem. Foi o único governador
que ficou solidário a Vargas, no
seu enterro, e fez uma campanha para presidente que entrou
para os anais pela coragem com
que enfrentou tentativas golpistas. Foi determinado na repressão e generoso no perdão.
Havia o JK galante, o sátiro
implacável, que, em seu período
de presidente, tinha uma amante por dia da semana. Mas havia
um lado obscuro em JK. Havia a
absoluta ignorância com que
tratava temas econômicos e a
demagogia com que procurava
esconder sua irresponsabilidade
fiscal. A construção de Brasília
foi o álibi de JK para arrebentar
qualquer controle orçamentário.
Quebrou literalmente o país e
reagiu à quebradeira com uma
campanha demagógica contra o
FMI, que produziu uma cena
burlesca. Na frente do Palácio
Laranjeiras, multidões em passeata de apoio ao ato heróico.
Atrás, a porta se abrindo para o
embaixador Walther Moreira
Salles, convocado às pressas para
negociar uma ajuda do Fundo.
Líder que ganhou expressão
mundial, homem que modernizou o país, JK era cercado de pessoas no mínimo duvidosas. Comedido nos seus julgamentos,
Moreira Salles o considerava um
"cigano", sem compromisso com
idéias, partidos e grupos, e bastante vulnerável a amizades
pouco selecionadas.
Havia, finalmente, o Juscelino
ingênuo. Fora do poder, o candidato de JK à sua sucessão foi o
marechal Henrique Lott. A eleição foi vencida por Jânio Quadros, com uma campanha em
que não poupou JK por um minuto. A ponto de se recusar a receber a faixa presidencial do presidente que saía.
Com menos de seis meses de
governo Jânio, em um evento organizado em São Paulo pelo então jovem acadêmico Mário
Garnero, JK foi ovacionado em
plena catedral da Sé e carregado
nos ombros do povo até a sede do
Jockey Clube, na rua Boa Vista.
E aí entra o JK ingênuo. Com a
renúncia de Jânio, Juscelino supôs até o fim que o novo presidente, João Goulart, o apoiaria
nas eleições de 1965.
JK estava em Turim, visitando
a Fiat, quando morreu o papa
João 23. A Fiat colocou um avião
à disposição para levá-lo a Roma. Jango já estava lá, hospedado na casa do embaixador brasileiro na Santa Sé. Juscelino resolveu visitá-lo. Garnero e outro assessor, que o acompanhavam,
foram contra. JK concordou em
não ir. Em seu lugar foram os assessores, que voltaram com a
certeza: Jango tinha um caminho próprio para a sua sucessão
que não passava por JK.
Em 31 de março de 1964 eclodiu, em Minas Gerais, o movimento militar que derrubou o
presidente João Goulart, sob o
comando do general Olímpio
Mourão Filho. Na tarde daquele
dia, JK foi visitar Jango no Palácio das Laranjeiras. Pediu que
desautorizasse os radicais de seu
governo e tranquilizasse as Forças Armadas, nomeando um ministério conservador e punindo
os militares que haviam quebrado a hierarquia. Um apelo tardio e inútil. A solidariedade ao
amigo pouco solidário lhe custou, mais tarde, os direitos civis.
E-mail -
lnassif@uol.com.br
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