|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Deflação e recessão acentuam a crise global
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
As cabeças que rolam diariamente nas grandes corporações e em alguns dos principais postos em governos de
países industrializados são apenas a ponta do iceberg. A gravidade da crise global aumenta a
cada dia.
O BCE (Banco Central Europeu) finalmente recuou, apresentando como justificativa
uma dramática revisão para baixo nas suas previsões de crescimento econômico. O governo
japonês anunciou mais um pacote de gastos para tentar reanimar a economia. Nos Estados
Unidos, a decisão de reduzir
ainda mais os juros também teve como pano de fundo um cenário dramático, deflacionário.
A decisão dos europeus admite duas leituras. A visão otimista
é que os tecnocratas reconheceram uma realidade e admitiram
uma mudança histórica, colocando o crescimento econômico
entre suas metas de atuação. A
pessimista é que os tecnocratas
tomaram a decisão de reduzir os
juros tarde demais.
Os números dramáticos, em
vez de consolo, são apenas a evidência de que a flexibilização da
política de juros veio tarde demais. No seu informe de dezembro, o BCE reduz sua previsão
de crescimento em 2003 para o
intervalo entre 1,1% e 2,1%.
É uma redução impressionante diante da projeção anterior,
de evolução de até 3,1%. As previsões de inflação continuam
praticamente iguais (até 2,3%,
contra a estimativa anterior de
até 2,5%). Em 2002, o crescimento não deve superar 1%.
Apesar da perspectiva de uma
guerra entre os Estados Unidos
e o Iraque, que naturalmente levaria à alta nos preços do petróleo, o desaquecimento mundial
pesa mais.
Os países exportadores acabam de fechar um acordo para
reduzir ainda mais a oferta do
produto (em até 7%). O cartel
contribui ao mesmo tempo para
dificultar a queda de preços e a
recuperação econômica. Quando a guerra vier, o quadro tende
a se agravar.
O pacote anunciado pelo governo japonês é de US$ 35,6 bilhões. Mas ultrapassa o triplo
desse valor quando empréstimos e garantias governamentais
entram na conta.
Para a principal economia do
mundo, no entanto, o quadro é
ainda mais preocupante. A fragilidade do lado real (com investimento e produção contidos,
tudo depende do ânimo dos
consumidores) é uma das causas da deflação (redução generalizada dos preços).
Deflação que ao mesmo tempo torna essa fragilidade do lado
real ainda maior, provocando
um círculo vicioso que as reduções de juros até agora foram incapazes de vencer. No relatório
divulgado na última quinta-feira, o Fed (banco central dos Estados Unidos) já menciona um
"efeito de fragilização cumulativa" que desemboca em deflação.
A deflação torna ainda menos
animadora a perspectiva de lucro das empresas. Mercados em
contração e ainda por cima preços declinantes são uma combinação fatal.
Cada vez mais, fazer política
econômica é sinônimo de administrar gigantescas massas falidas. O perfil da autoridade econômica nesse cenário normal é
caracterizado no jargão do mercado como o de "operador".
A rigor, os "operadores" são
inócuos. A imagem de alguém
que opera bem (num banco central, por exemplo) aproxima-se
da situação de um jogador que é
muito hábil, supondo que as regras do jogo sejam estáveis.
Com deflação e recessão, rolam cada vez mais cabeças de
"operadores". O jogo agora é
outro, mas ninguém sabe quais
são as suas regras ou quem tem
legitimidade para fazer o papel
de juiz.
Texto Anterior: Opinião Econômica: Rubens Ricupero: O preço da glória Próximo Texto: Lições Contemporâneas: Aloizio Marcadante: As relações comerciais Brasil-EUA Índice
|