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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
As relações comerciais Brasil-EUA
ALOIZIO MERCADANTE
"Atualmente, poucos (...) defendem a
hipocrisia de fingir que se está ajudando países em desenvolvimento
ao forçá-los a abrir seus mercados
para as mercadorias das nações industrializadas e desenvolvidas, ao
mesmo tempo que essas nações protegem seus próprios mercados. Tais
políticas tornam os ricos mais ricos e
os pobres mais pobres e cada vez
mais furiosos." Joseph E. Stiglitz
A viagem do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva,
aos Estados Unidos foi um grande
êxito. O mais importante é que a
visita produziu resultados concretos, entre os quais a proposta do
presidente Bush de realização de
um encontro de cúpula entre os
dois países, com a participação dos
respectivos ministérios e coordenado pelos dois presidentes.
Além de todas as questões políticas envolvidas nas relações bilaterais, o desafio maior da diplomacia brasileira é obter resultados rápidos e significativos na esfera comercial. Os EUA representam 31%
do PIB mundial, compram duas
vezes mais do que a União Européia e quatro vezes mais do que o
Japão. É fundamental que o Brasil
dispute com competência esse
mercado.
Os EUA já são o principal parceiro comercial do Brasil. No ano passado, as transações com aquele
país responderam por cerca de
25% do nosso intercâmbio comercial com o exterior, uma elevação
de cinco pontos percentuais em relação a 1994. Não obstante, o volume de comércio entre os dois países
é ainda baixo, situando-se em torno de US$ 30 bilhões anuais. Existem condições para duplicar esse
volume nos próximos quatro anos
e atingir marca próxima de US$
100 bilhões ao final da presente década.
É muito difícil, no entanto, que
isso venha a realizar-se sem uma
modificação substantiva do atual
padrão de relacionamento comercial entre ambos os países.
Essa modificação pressupõe, em
primeiro lugar, a recolocação da
temática da liberalização comercial -recorrente nos discursos e
nas posições negociadoras norte-americanas- em uma nova perspectiva, na qual a questão central,
menos que a liberalização em si
mesma, passe a ser a distribuição
dos benefícios da expansão do comércio por ela induzida.
Para que essa distribuição seja
equitativa, é preciso que a liberalização comercial seja uma estrada
de duas mãos -e não uma política praticada por somente uma das
partes envolvidas. Por outro lado,
é fundamental que a liberdade de
comércio promova, tendencialmente, a convergência das economias participantes -e não o aumento da brecha de renda e produtividade entre elas. Isso implica,
entre outras coisas, a criação de
mecanismos compensatórios das
assimetrias existentes entre os dois
países em matéria de capacidade
econômica e tecnológica e de produtividade sistêmica, que permitam equalizar as condições de concorrência.
A experiência brasileira nos anos
recentes é ilustrativa dos problemas gerados por uma abertura comercial unilateral e não programada. No período 1995/ 1998, por
exemplo, quando a redução das
tarifas de importação e a sobrevalorização da taxa de câmbio aumentaram, de maneira acentuada
e intempestiva, a exposição da economia brasileira à concorrência
externa, as exportações brasileiras
para os EUA aumentaram em
10,3%, enquanto as importações
provenientes daquele país se expandiram em 111,3%. Em consequência, nossa balança comercial
bilateral, que era superavitária
desde 1981, acumulou nesses quatro anos um déficit de quase US$
13 bilhões. Somente a partir de
2000, na esteira da desvalorização
do real, o saldo voltou a ficar positivo. No conjunto do período
1995/2001, o aumento do fluxo de
comércio com os EUA (de US$ 15,7
bilhões para US$ 27,4 bilhões) produziu um déficit acumulado de
US$ 12,2 bilhões; nossas exportações cresceram 60,6% contra um
aumento de 92,1% das importações.
Ao contrário do Brasil, os EUA
mantiveram e/ou agravaram nesse período as restrições tarifárias e
não-tarifárias impostas aos produtos brasileiros. Alguns casos são
emblemáticos. O Brasil foi o maior
exportador de etanol para os EUA
até meados da década de 80, tendo
seu acesso àquele mercado sido reduzido por uma série de medidas
protecionistas, incluindo um subsídio de US$ 0,54 por galão, cujo
término estava previsto para 2000,
mas que foi estendido até 2007. Somado ao Imposto de Importação
(2,5%), isso representa uma carga
de 50% sobre o preço do produto
importado. O suco de laranja tem
uma trajetória parecida: em 1992,
o Brasil respondia por 90% do total das importações norte-americanas, tendo perdido fortemente
participação no mercado em razão das vantagens concedidas a
outros países e da imposição de
uma tarifa ao suco concentrado
reconstituído equivalente a 56%
"ad valorem". Processo similar verificou-se com o açúcar, cujas importações acima da cota estão sujeitas a uma tarifa de US$ 338,70
por tonelada. A introdução do sistema de cotas em 1982 e, posteriormente, as diminuições na cota
brasileira reduziram nossas exportações para menos de 15% da
quantidade anteriormente comercializada.
Nos EUA, 35 produtos têm tarifas entre 70% e 350%, e 29, entre
50% e 70%. No nosso caso, em razão de acordos comerciais globais,
não podemos impor tarifas superiores a 35% para produtos industriais e acima de 55% para produtos agrícolas. Os EUA conservam
inalterados os picos tarifários para
diversos produtos relevantes da
nossa pauta de exportações, como
os calçados e os têxteis. Isso, as restrições quantitativas e outras barreiras não-tarifárias -subsídios,
medidas antidumping e compensatórias, assim como normas e regulamentos técnicos diversos, inclusive sanitários e fitossanitários,
que, além de complexos, estão sujeitos a modificações não-previsíveis- reduzem significativamente o acesso e a competitividade de
nossos produtos no mercado local.
São cerca de 80 os produtos brasileiros afetados por esses tipos de
barreira.
O aumento do volume de comércio bilateral exige uma agenda positiva e contrapartidas. As políticas
comerciais adotadas até agora pelos EUA e seu projeto de formação
da Alca, nos termos em que está
colocado, vão na contramão desse
propósito. Por isso é essencial abrir
uma nova fase nas negociações bilaterais, que torne possível encontrar espaços de convergência para
a expansão e a liberalização do comércio mutuamente benéfica.
Aloizio Mercadante, 48, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
dep.mercadante@camara.gov.br
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