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LUÍS NASSIF
O sambista mineiro
A toada mineira teve papel
relevante na formação da
música brasileira por intermédio
de alguns compositores fundamentais, como Joubert de Carvalho, Hervé Cordovil e, especialmente, Ataulfo Alves.
Ataulfo jamais teve seu valor
reconhecido pelos puristas do
samba. Fez muito sucesso entre
os brancos, brilhou no rádio e
nos shows, foi considerado dos
dez homens mais elegantes do
país, soube administrar sua própria carreira, deve ter pelo menos umas 15 músicas entre as
mais cantadas de todos os tempos. Foi sucesso demais para ser
aceito sem restrições.
Sua música era filha direta do
samba com a toada mineira, que
ouviu de seu pai, o violeiro Severino de Souza, na cidade natal, a
pequenina Miraí, que imortalizaria no clássico "Meus Tempos
de Criança" e onde nasceu a 2 de
maio de 1909. O estilo toada perpassaria toda sua obra, com
composições de frases curtas, lógicas, limpas, como lamentos
não necessariamente do morro.
Suas composições são de uma simetria clássica. O fraseado vai
subindo de tom, simetricamente,
depois retorna ao ponto inicial e
retoma a subida em formato diferente, mas sem os quebrados
do samba de morro. Ataulfo
compunha como "mineiro andando na estrada", dizia Mário
Lago, seu parceiro.
O pai morreu quando ele tinha
12 anos, deixando arrimo de família constituída pela mãe e por
quatro irmãs. Veio para o Rio
com o médico recém-formado
Afrânio Rezende, quando tinha
17 anos. Trabalhou em diversos
bicos até se tornar prático de farmácia. Foi morar no Estácio no
começo dos anos 30 e, pouco depois, teve sua primeira música
gravada pela Carmen da Farmácia, a ainda iniciante Carmen
Miranda. Era "Tempo Perdido",
que não fez sucesso.
Em 1934, depois de introduzido
nas rodas do Estácio pelo grande
Bide, compôs seu primeiro clássico, "Sei que É Covardia", com
Claudionor Cruz ("Sei que é covardia o homem chorar por
quem não lhe quer"). E não parou mais. É de 1936 "Vai, Vai
Saudade" ("Vai, vai saudade, na
porta daquela ingrata..."), de
1940 o "Errei, Erramos", com Arthur Vargas Júnior ("Eu, na verdade, indiretamente sou culpado
da sua infelicidade"), de 1940 o
"Bonde São Januário", em parceria com outro dos grandes
sambistas da história, Wilson
Batista ("Quem trabalha é que
tem razão, eu digo e não tenho
medo de errar, o bonde são Januário leva mais um operário,
sou eu quem vou trabalhar"), de
1941 o "Leva Meu Samba" ("Leva meu samba, meu mensageiro"), de 1942 o clássico "Ai que
Saudades da Amélia".
O samba foi composto a partir
de uma letra inicial de Mário Lago, que Ataulfo modificou radicalmente, para desconforto de
Mário. Por falta de intérpretes, o
próprio Ataulfo precisou cantar
sua composição, acompanhado
do seu coro As Pastoras (originalmente Olga, Marilu e Alda) e
com introdução de Jacob do
Bandolim. Em 1944, a dupla
comporia outro clássico, "Atire a
Primeira Pedra".
Além dos sucessos já citados,
sua obra inclui "Na Cadencia do
Samba", com Paulo Gesta, "Leva
Meu Samba", "Mulata Assanhada", "Lagoa Serena", com José
Baptista, "Laranja Madura" e
por aí afora.
Em 1961 chefiou a Caravana de
Divulgação da Música Brasileira
no Exterior, uma iniciativa brilhante do compositor Humberto
Teixeira. Em meados dos anos
60, ocorrem dois processos, pouco antes da morte de Ataulfo, em
1969. Há a redescoberta da sua
obra, especialmente depois que
Roberto Carlos gravou "Ai que
Saudades da Amélia" em 1967.
A televisão se expande pelo
país e ele passa a ser o sambista
clássico de todos os canais, com
uma popularidade não igualada
por nenhum outro sambista.
Chega a compor dois clássicos
com Carlos Imperial, apresentador polêmico, um dos quais é
"Você Passa, Eu Acho Graça".
Ao mesmo tempo, tem início
um movimento de redescoberta
do samba marginal. É quando se
revela Zé Ketti, se recuperam
Cartola e Nelson Cavaquinho, se
redescobrem Geraldo Pereira,
Wilson Batista, Ismael, Bidê e
Marçal.
Aí os puristas decidiram que
havia dois universos diferentes, o
do sucesso e do prestígio, e tentaram tirar de Ataulfo o prestígio.
Mas Ataulfo chega a 2003 com
essa mistura única, amado pelos
músicos de churrascaria e respeitado por qualquer historiador
isento como um dos maiores
sambistas de todos os tempos.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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