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ECONOMIA BOMBARDEADA
Ex-presidente da Opep diz que potencial iraquiano pode reduzir a dependência do óleo saudita
Iraque pode "equilibrar" mapa do petróleo
JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
O iminente conflito no Oriente
Médio poderá modificar drasticamente a geopolítica mundial do
petróleo nos próximos anos.
A eventual remoção de Saddam
Hussein, a implementação de um
novo governo, tutelado, ao menos
no princípio, pelos EUA, deverá
significar aumento nos investimentos de exploração de petróleo
em território iraquiano.
O Iraque detém a segunda
maior reserva petrolífera do globo
-atrás apenas da Arábia Saudita.
As já comprovadas são de 112,5
bilhões de barris (e estima-se no
mínimo mais 100 bilhões em reservas não-comprovadas).
Com o embargo imposto pela
ONU desde a Guerra do Golfo em
1991, os iraquianos não produzem
mais que 2,7 milhões de barris por
dia. ""O Iraque tem capacidade para produzir até 8 milhões de barris/dia. Isso diminuiria a dependência que o Ocidente tem da
Arábia", avalia o venezuelano
Humberto Calderón Berti.
Ex-ministro de petróleo da Venezuela (79 a 83), ex-presidente
da PDVSA, a poderosa estatal venezuelana, Calderón Berti foi entre 1979 e 1980 o presidente da
Opep (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo), ou seja, no período que coincidiu com
a segunda crise mundial no setor,
decorrente da revolução no Irã.
Para o agora consultor privado,
além do interesse econômico, há
um fator político que complica a
relação EUA-sauditas: a cruzada
antiterrorismo. Embora principal
parceiro dos americanos na região, o governo saudita é acusado
de tolerante com terroristas. "A
dependência do petróleo no
Oriente sempre vai existir e aumentará nos próximos anos. Lá
estão 75% das reservas."
Segundo a Agência Internacional de Energia, em 2020, 58% do
petróleo consumido pela América do Norte sairá do Oriente
-em 1997, era 44,6%. Hoje, a demanda mundial é de 76 milhões
de barris por dia, dos quais 21,7
milhões (28,5%) saem da Opep.
Ele refuta a hipótese, levantada
por alguns analistas, de que os
EUA poderiam repartir a extração
de petróleo no país apenas entre
as empresas americanas e de seus
aliados -ou mesmo usar parte
do petróleo como butim de guerra. ""Criaria uma situação de contrariedade em toda a região, uniria os povos do Iraque contra os
EUA e reforçaria os argumentos
dos que vêem a guerra como motivação financeira, e não política."
Folha - Quais podem ser as consequências para a geopolítica petrolífera de um conflito no Iraque?
Humberto Calderón Berti - O Iraque tem a segunda maior reserva
do mundo, depois da Arábia Saudita. O país produz hoje 2,7 milhões de barris por dia. Com investimentos, dada a natureza de
suas reservas, poderia facilmente
aumentar a produção para 7 milhões, 8 milhões de barris por dia.
E isso diminuiria a dependência
ocidental da Arábia Saudita. Por
outro lado, petróleo iraquiano
poderia ser transportado via Turquia sem passar pelo estreito de
Ormuz (no golfo Pérsico), uma
grande vantagem do ponto de vista estratégico. Passada a crise, o
Iraque aumentará sua importância no mundo petrolífero. Uma
coisa é certa: a dependência do
petróleo do Oriente sempre será
muito grande e, como mostram
os números da AIE (Agência Internacional de Energia), aumentará. E por uma razão simples: ali
estão 75% das reservas mundiais.
Folha - A quanto poderá chegar o
preço do barril de petróleo com a
guerra? As variações de 1991 podem servir como parâmetro -estabeleceu-se à época o recorde histórico de US$ 41 por barril...
Calderón Berti - Podem servir
como parâmetro. O Kuait produzia, antes de ser invadido, cerca de
2,5 milhões de barris por dia
-quantidade equivalente à que
produz o Iraque neste momento,
considerada a prerrogativa de que
o Iraque "saia" do mercado. É certo que vou cometer um equívoco.
Mas assim que a guerra começar
o preço vai saltar para US$ 45 por
barril. Não há muitas razões para
subir mais que isso.
Folha - O argumento dos contrários à guerra é que a intenção do
governo dos EUA de invadir o Iraque é motivada pelo petróleo...
Calderón Berti - Digo que há
uma série de motivações dos norte-americanos e não creio que o
petróleo seja a primordial.
Folha - Por que os americanos se
decidiriam por se afastar da Arábia
se os sauditas sempre foram vistos
como defensores dos interesses dos
EUA na Opep?
Calderón Berti - A verdade é que
foram os sauditas que adotaram
uma certa posição de distanciamento dos EUA e some-se a isso
toda a pressão da opinião pública
norte-americana acerca do terrorismo depois do 11 de setembro.
Boa parte do financiamento para
o terrorismo é de origem saudita.
Não estou dizendo do governo,
mas de sauditas. Isso gera mal-estar e preocupações nos EUA.
Folha - Há especulações de que os
EUA poderiam lotear entre suas
empresas e dos aliados as reservas
de petróleo do Iraque ou mesmo
usá-las como butim de guerra...
Calderón Berti - Seria um erro
porque poderia criar uma situação de contrariedade regional, de
fomentar rebeliões entre os grupos étnicos que formam o Iraque,
todos contra os EUA, e daria margem aos argumentos de que a invasão ao Iraque estaria motivada
por razões econômicas, e não políticas. Desde sempre, os EUA insistem que os que o motiva a
guerrear com o Iraque é a luta antiterrorista.
Folha - Como deverá ser a administração do petróleo caso os EUA
assumam o controle político?
Calderón Berti - Como deve
ocorrer com todas as instituições:
os americanos devem administrar o setor por algum tempo, de
forma discreta. E posteriormente
serão os próprios iraquianos que
tomarão as decisões. Não creio
que os iraquianos que assumam a
condução do país se inclinem em
direção de um único país, aos
EUA. O que mais lhes convirá é
que haja muitos atores dentro da
indústria petrolífera iraquiana.
Folha - Qual deveria ser o papel
da Opep em meio à crise?
Calderón Berti - Reagir como em
1991: aumentar sua produção para evitar que os preços disparem.
Seria basicamente por meio de
Arábia Saudita e os Emirados
Árabes, que têm 3,5 milhões de
barris de capacidade ociosa.
Folha - Os países da Opep têm capacidade ociosa para suprir o hiato
que uma guerra provocaria na produção iraquiana. Por que então os
preços não param de subir?
Calderón Berti - A produção da
Opep deveria ser suficiente caso
não haja uma expansão do conflito e se o resto do mundo não ficar
ainda mais receoso e começar a
comprar mais petróleo do que
precisaria. Se fosse por razões
econômicas, de oferta e demanda,
o petróleo deveria estar abaixo de
US$ 30 o barril (na sexta-feira era
negociado nos EUA a US$ 35,38).
Temos um problema de natureza
psicológica. Existe petróleo no
mercado. O que ocorre é que os
compradores pensam que haverá
desabastecimento. O que fazem?
Compram mais do que precisariam e inflam os preços.
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