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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Regime de urgência para o ajuste externo
LUCIANO COUTINHO
O desarranjo na gestão da
dívida pública colocou o
Banco Central no córner. O desgaste da confiança nos papéis do
Tesouro e do BC, fruto de uma sequência de erros na rolagem da
dívida interna, provocou uma deterioração do perfil de vencimentos, aumentou o risco Brasil e tornou as expectativas mais sensíveis à evolução eleitoral. É um fato preocupante. Afinal, os títulos
públicos, líquidos e portadores de
altas taxas de retorno, funcionaram durante anos a fio como antídoto contra a hiperinflação, assumindo a função de moeda indexada, e, depois de 1994, constituíram lastro essencial para a estabilização do Real, refletindo o
custo de oportunidade entre reter
riqueza em moeda nacional e fazê-lo em moeda forte. Ao abalar
parcialmente esse esteio -um
contexto em que os mercados começam a perder a confiança na
sustentabilidade das trajetórias
da dívida externa e interna-, o
BC brincou com fogo. Teve de recorrer ao FMI, aceitar um encurtamento de prazos e terá de operar com muita argúcia para evitar mais desgastes.
A deterioração da percepção
dos investidores externos é também preocupante. São claros os sinais de escassez de crédito externo para a rolagem da dívida (privada) brasileira. A significativa
elevação da taxa de risco-país
(acima de 1.300 pontos) torna inviável do ponto de vista empresarial a recontratação de grande
parte das operações. Assim, as
empresas buscarão substituir o
endividamento externo por fontes
domésticas e pressionarão o mercado de câmbio para liquidar
parte dos bônus vincendos no exterior. Essas pressões sobre a taxa
de câmbio estão concentradas
neste mês e ainda persistirão em
julho e em agosto. Elas poderão
agravar-se se os investimentos diretos se retraírem e, evidentemente, podem tornar-se desestabilizadoras se sobrevier adiante uma
perda mais séria de confiança.
A curto prazo, espera-se que a
equipe econômica retome o controle, valendo-se do empréstimo
do FMI (US$ 10 bilhões) e da redução do piso mínimo de reservas
bloqueadas, o que lhe assegura
mais munição para intervir. Mas
dificilmente a taxa de câmbio recuará para a faixa anterior, entre
R$ 2,50 e R$ 2,60. Houve inequivocamente um deslocamento para cima da curva de cotação do
dólar. De quanto, ainda não dá
para saber.
Essa depreciação adicional da
taxa de câmbio projeta novas tensões inflacionárias e praticamente inviabiliza a redução da taxa
de juros pelo Copom na semana
que vem, já que ficou ainda mais
difícil o cumprimento da meta de
inflação apesar do fraco desempenho da economia. Subir os juros e
aumentar ainda mais o superávit
fiscal é uma alternativa inglória.
Explicita-se, mais uma vez, a precariedade da política de metas de
inflação sob condições de alta vulnerabilidade externa -deixando
a taxa de juros engessada num
patamar insustentável. A cada
rodada de crise, tudo se deteriora
perigosamente.
Por tudo isso não há alternativa
para a política econômica brasileira, senão a de acelerar o ajuste
do déficit em conta corrente por
intermédio de uma política mais
agressiva de estímulo às exportações e de substituição de importações. É imperioso efetuar esse
ajuste em regime de urgência. Tal
constatação impõe uma hierarquia de prioridade para o próximo governo. Será imprescindível
centrar todos os esforços, inicialmente, na construção de um superávit comercial crescente e,
além disso, fixar nos mercados a
expectativa de que o déficit em
conta corrente vá reduzir-se de
forma rápida, expressiva e irreversível. É o único caminho para
uma redução substancial e segura
da taxa de juros.
Isso requer que todos os ministérios, instrumentos e organismos
(por exemplo, MF, BC, Receita
Federal, Proex, BNDES, BB,
MDIC, MRE) joguem coordenadamente nessa direção. Se os ventos da economia mundial ajudarem, tanto melhor. Se não, será
preciso mostrar aos mercados que
-caso necessário- sacrifícios
temporários serão impostos para
assegurar um superávit crescente.
A compreensão do aspecto crucial
da aceleração do ajuste externo
deveria levar o atual governo a
reposicionar-se de forma incisiva
para não legar ao sucessor um
abacaxi indescascável. O próprio
presidente da República deveria
comandar a área econômica nessa tarefa (em vez de, simplesmente, elidir o desafio com surtos retóricos do tipo "exportar ou morrer"). A montagem de um mecanismo rápido de tomada de decisões dentro da área econômica, a
coordenação de ações entre o governo e o setor privado, a atuação
pró-ativa do BNDES e do BB no
financiamento das exportações e
no suporte aos investimentos pró-exportação, a mobilização total
do sistema diplomático para a
promoção comercial etc. constituem providências mínimas a serem acionadas desde já.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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