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LUÍS NASSIF
As músicas juninas
A nos atrás fui assistir às
festas juninas de Aracaju.
Parecia um mergulho no tempo,
lembrando a minha Poços de
Caldas de 40 anos atrás. O sul de
Minas ainda era basicamente
rural, e o morro do São Benedito
fervia com as festas. Montava-se
a fogueira, os vizinhos todos se
reuniam, tratando-se de "compadres", como se tratavam na
vida real. O "compadre" era um
tipo constante nas famílias, assim como gestantes que amamentavam uma a filha da outra, para selar pactos de amizade eterna.
Agora, lendo o livro "Festas
Juninas, Origem, Tradição, História", de Lúcia Helena Vitalli
Rangel, me surpreendo com a
universalidade das festas juninas e com as recordações que
brotam da leitura. A molecada
fantasiada de noivos caipiras,
imitando as tradições francesas
com aquela verve imbatível que
Mazzaropi consagrou. "Caminho da festa", e o povo ia andando. "A ponte quebrou", e o
povo voltava; "anariê" (na verdade, "en arrière", do francês
"para trás"), e o povo recuava.
"Os cavalheiros cumprimentam
as damas", e nos toca curvar na
frente da dama e alisar o chão
com chapéu de palha. "Balancê" e "tur", e os casais ficavam
marcando o passo, sem sair do
lugar e dançando juntos.
Depois, em frente à fogueira
tinha, o pau-de-sebo, a corrida
dos sacos, o ovo na colher. As
batatas doces eram colocadas
na parte de baixo da fogueira,
para assar com fogo. A gente comia e soltava pum. Depois, os
pinhões, que eu adorava, e as
castanhas, muito doces. Além
do quentão e do vinhão.
São fascinantes as diversas camadas temporais que compõem
o Brasil. As tradições vão desaparecendo nas regiões mais urbanizadas, preservadas pelas escolas, é verdade, e se mantendo
em outras. Outro dia, minha
prima Terezinha, com uma escola experimental fantástica em
Poços, trocou as aulas de educação física por aulas de congada,
depois que descobriu que o professor era filho de congo.
Uma viagem pelo Brasil permite diversos mergulhos no
tempo. Mas nenhum aspecto me
fascinava mais nas festas juninas do que as músicas que elas
inspiraram. Minha amiga Roberta Cunha Valente, belíssima
pandeirista, levantou com o Roberto Lapiccirella um farto material de músicas juninas para
um show, a maioria das quais
eu jamais tinha ouvido falar.
Entre os clássicos da minha
infância, a campeã era "Pedro,
Antonio e João", de Benedito
Lacerda e Oswaldo Santiago
("Com a filha de João / Antonio
ia se casar / mas Pedro fugiu
com a noiva / na hora de ir pro
altar"), que se popularizou num
filme da Atlântida. "Capelinha
de Mão", de João de Barro e Alberto Ribeiro ("Capelinha de
melão / é de São João / é de cravo
é de rosa / é de manjericão"), era
a preferida da molecada. Alberto Ribeiro compôs o clássico
"Sonho de Papel" ("O balão
vem subindo / vai caindo a garoa / o céu é tão lindo / a noite é
tão boa").
Luiz Gonzaga já era um campeão com a ainda hoje imbatível "Olha pro Céu Meu Amor",
em parceria com José Fernandes
("Olha pro céu meu amor / Olha
como ele está lindo"), que o Dominguinhos canta que é uma
lindeza. Assis Valentes foi outro
destaque, com "Cai Cai Balão",
gravado por Francisco Alves e
Aurora Miranda em 1933, e
"Acorda São João", de 1934.,
Mas tenho cá para mim que o
compositor máximo das músicas juninas foi Lamartine Babo,
grande em vários aspectos, nas
marchinhas de carnaval, nas
valsas, nos hinos de futebol. Mas
sua faceta junina é de arrepiar.
Especialmente quando interpretado por Carmen Miranda.
Em 56, lançou um LP com
músicas juninas, que ajudaram
a aquecer os corações mais do
que as fogueiras. A música preferida de minha mãe era "Isto É
Lá com Santo Antonio" ("Fui
pedir numa oração / ao querido
São João / que me desse o matrimônio"). Outro clássico foi
"Chegou a Hora da Fogueira",
de 1933, que ele mesmo gravou
com Carmen Miranda.
Mas o Brasil é uma confusão,
na hora de se escolher o melhor.
Minha preferida, uma das músicas fundamentais da minha
vida e das minhas recordações, é
"Noites de Junho", de Braguinha e Alberto Ribeiro. Para
mim, tem a mesma nostalgia
das melhores marchas-rancho,
uma melodia que atravessa os
ossos e se entranha na alma. A
letra que todo poeta gostaria de
ter composto: "Noite fria, tão
fria de junho / Os balões para o
céu vão subindo / Entre as nuvens aos poucos sumindo / Envoltos num tênue véu / Os balões
devem ser com certeza / As estrelas daqui desse mundo / E as estrelas do espaço profundo / São
os balões lá do céu".
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