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LUÍS NASSIF
O menino do violão
Quando a abertura do
"Programa Econômico"
da TV Cultura mostrou Macumbinha ao violão, levei um
susto. Tinha pedido à produção que separasse alguma cena
de arquivo. Arrumaram uma
do início dos anos 70, quando
ambos tínhamos pouco mais
de 20 anos e o conheci em um
ensaio na casa de Hermeto
Paschoal, no bairro da Aclimação. Mas não me lembrava de
que era tão bom assim no violão. A pegada, o balanço eram
fantásticos, superior a tudo o
que ouvi do violão brasileiro
naquele interregno entre a geração de Baden Powell, Paulinho Nogueira e Rosinha Valença e a de Raphael Rabello.
Uma semana depois, na terça-feira à noite, entro no Bardaló, na alameda Jaú, para minha rodada semanal de choro.
No palco do bar um senhor ao
violão, de porte altivo, idade
indeterminada, mas com um
ar bastante familiar. Sento-me
à mesa e o Paulinho do violão
me diz ser seu Mário Macumba, pai de Macumbinha.
No intervalo, seu Mário vem
à minha mesa. Tem 78 anos,
voz firme, rosto liso, e começa a
falar de seu filho Macumbinha,
que morreu em 1977 no auge
do talento, vítima de um vazamento de gás que matou a ele,
à mulher grávida e aos dois filhos pequenos.
Seu Mário não assistira à última reprise de Macumbinha
em meu programa. Vinha me
falar da anterior, ele acompanhando o compositor Pedro
Caetano. Recordou-se daquela
apresentação de quase 30 anos
atrás. Ele, que adivinhava cada gesto, cada expressão de seu
menino, percebeu que o filho
não gostara da experiência, os
estilos eram muito diferentes.
Quando terminou a reprise,
seu Mário quase teve a sensação de que o filho iria bater à
sua porta em seguida, como fez
30 anos atrás depois do programa.
E aí vieram as recordações da
infância, do segundo de seus
cinco filhos, que, aos cinco
anos, já encantava as platéias
solando choros em uma sanfoninha Hering, pela qual se encantou depois de uma visita a
Aparecida. Virou atração da
rádio Bandeirantes, foi apoiado pelo radialista Geraldo Blota. Mas seu Mário percebeu
que aquele sucesso precoce não
seria bom para seu menino.
Parou provisoriamente com a
música e esperou que ele estudasse e crescesse.
Da sanfoninha, Macumbinha passou para o violão. Teve
aulas com Paulinho Nogueira.
Depois, descobriu o pianista
Mário Edson, que marcou época no Plano's Bar, que lhe ensinou um repertório mais jazzificado. Gradativamente Macumbinha foi se soltando e se
tornou o acompanhador preferido de Leny Andrade, Elza
Soares e até de Roberto Carlos.
Pouco depois, os maestros
Cyro Pereira e Mário Albanese
lançaram o jequibau -um estilo sincopado de tocar que pretendiam que substituísse a batida da bossa nova. Chamaram Macumbinha, que começou a fazer dupla com o violão
erudito de Silvio Santisteban.
Aí, explodiu, encorpou o estilo,
ganhou balanço, pegada e se
tornou a maior promessa do
violão brasileiro.
No dia da tragédia, Macumbinha passou na casa de Elza
Soares. Saiu de lá e foi para a
sua casa. Três dias depois descobriram os corpos da família.
Jornais sensacionalistas da
época falaram em pacto de
morte, devido a supostas dificuldades financeiras de Macumbinha. Não era nada disso,
o rapaz ia bem na carreira, até
planejava construir sua casa,
com a ajuda do seu Mário.
Tempos depois, um laudo da
polícia constatou que possivelmente a causa do acidente teria sido uma traquinagem do
filho mais velho de Macumbinha, o neto mais esperto e inteligente do seu Mário Macumba, que se levantou à noite e
abriu o bico do gás.
De lá para cá, seu Mário não
guardou nada do filho, não
quis ver nenhuma foto, nenhum vídeo. Sua mulher não
iria suportar. A mãe de Macumbinha morreu no ano passado.
Agora, na mesa do Bardaló,
seu Mário acha que está em
condições de, finalmente, reencontrar o filho. Pede-me para
arrumar a fita com a gravação.
Nos próximos dias, vai chamar
a filha, talentosa como o irmão, mas que largou o violão
chocada com a exploração da
sua morte. Vão colocar a fita
no vídeo e, admite, vão chorar
bastante.
Mas será um choro pacificador, de reencontro com o seu
menino.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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