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LUÍS NASSIF
Os violões que se cansaram
O que deu nesses meninos?
Quando eu era adolescente, lá pelos idos de 1969, não se
falava de outra coisa no mundo
do violão. Os irmãos Abreu
eram tudo. O Sérgio, com 21
anos, e o Eduardo, com 20,
prestes a serem aclamados os
melhores do mundo. Seus LPs
eram venerados nos círculos
violonísticos do país e da região, de Poços a São João da
Boa Vista.
Lembro até hoje, fazendo serenata para a namorada na
praça de São João, acompanhado pelo jovem violonista Sérgio
Assad, que se mudara para o
Rio de Janeiro e prometia fazer
carreira, junto com seu irmão
Odair. Sérgio já impressionava
pelo virtuosismo. Mas tudo o
que ele queria na vida era chegar perto, apenas perto, dos irmãos Abreu, porque suplantá-los não ousava sonhar.
Seu Assad, pai dos irmãos,
juntou a trouxa e mudou-se para o Rio apenas para que os filhos pudessem ser alunos da
mesma Adolfina Raitzin de Távora, que burilara os irmãos
Abreu. O grande Isaías Sávio, o
maior mestre do violão brasileiro do século, e que frequentava nossa casa, em Poços, ficou
injuriado de não ter os meninos
entre seus alunos. Mas o sonho
do seu Assad era que os filhos
pudessem seguir a trilha dos irmãos Abreu.
O primeiro professor dos irmãos Abreu foi o avô, Antonio
Rebelo, da geração de brilhantes violonistas do Rio, ao lado
de Luiz Bonfá, todos discípulos
do mestre Sávio.
A segunda mestra foi Adolfina, figura extraordinária, das
alunas prediletas do maior
mestre de violão do século, o espanhol André Segóvia (1893-1987). Com ela, os irmãos
aprenderam técnica e interpretação. Depois, estudaram harmonia com os maestros Florêncio de Almeida Lima e Guido
Santorsola.
Adolfina não recebia profissionalmente pelas aulas. Mas
só dava aulas para os escolhidos. Foi assim com os irmãos
Abreu e, depois, com os Assad.
Colocava os meninos para tocar, ouvia em silêncio e, depois,
dizia se aceitava ou não como
discípulos.
Em 1960, Eduardo Abreu recebeu medalha de ouro no Concurso de Arte Infantil, do Ministério da Educação e Cultura.
Em 1967, antes dos 20 anos, os
irmãos Abreu receberam o primeiro prêmio do Concurso Internacional de Violão promovido em Paris, França, pela
ORTF. Em 1972, apresentaram-se no Festival de Windsor, em
Londres, Inglaterra, tocando
com o violinista Yehudi Menuhin (1916-1999), o maior de seu
tempo. Com a English Chamber Orchestra, gravaram os
concertos para dois violões e orquestra de Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968) e Santorsola.
O país já tinha um contingente considerável de violonistas
populares. Entre os clássicos
havia Barbosa Lima, precoce e
que cedo se mudara para os Estados Unidos. Havia também
Turíbio Santos, Maria Lívia
São Marcos, e não muitos outros.
Mas o duo Abreu fora mais
longe do que todos. Foram os
primeiros violonistas eruditos
brasileiros que podiam ser considerados os melhores do mundo. De repente, acabou. O que
deu nesses meninos? Até hoje
lembro do meu estupor quando, lá por 1975, informaram
que o duo havia se desfeito.
Uma chama de incredulidade
se alastrou por todos os círculos
violonísticos do país. O que
ocorrera com nossas duas
maiores vocações?
Vieram explicações picadas,
porque os jornais estavam distantes do mundo do violão.
Disseram para a gente que simplesmente os dois jovens se cansaram da carreira de concertistas, de terem que viajar o ano
todo, treinar dez horas por dia,
não tomar sol. Assim! Não podia, ora!
Eduardo foi o primeiro a parar, em 1975, e passou a se dedicar à engenharia eletrônica.
Em 1993, concluiu o doutorado
na Universidade de Santa Mônica, nos Estados Unidos. Deixar o violão brasileiro órfão em
troca de um diploma de engenheiro eletrônico? Nem que ganhasse o Nobel da área não supriria a perda deixada no país.
Sérgio continuou tocando até
1981. Depois, abandonou a interpretação e se especializou
em construir violões. Tornou-se
um dos "luthiers" mais prestigiados do mundo. Mas e seu
som? E o som do duo?
Alguns anos depois, os irmãos
Assad recuperariam para o
Brasil o cetro de melhor duo
violonístico do mundo.
Outro dia, ouvi-os tocar com
a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Lembrei-me
das serenatas de São João, meu
coração brasileiro bateu ao
som de cada corda puxada,
com cada detalhe de interpretação.
Mas continuei inconformado.
O que deu nos meninos Abreu
para nos deixar assim na mão?
E-mail - lnassif@uol.com.br
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