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ANO DO DRAGÃO
Elevar juro tem efeito limitado, importado está caro e baixa concorrência no varejo é incapaz de baixar preços
Governo tem poucas armas antiinflação
LEONARDO SOUZA
ANDRÉ SOLIANI
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo assiste à alta da inflação sem mecanismos eficazes para combatê-la no curto prazo. O
consumidor continuará a ver, nos
próximos meses, os preços dos
produtos subirem nas gôndolas
dos supermercados e as tarifas
públicas ficarem mais caras.
Diante de uma inflação provocada fundamentalmente pela depreciação do real, uma elevação
de juros -principal instrumento
do Banco Central para evitar aumentos de preços- teria efeito limitado. Juros altos servem para
anular aumentos de preços provocados por excesso de demanda,
o que não é o caso.
A inflação neste ano, ao contrário dos primeiros anos do Plano
Real, punirá sobretudo as camadas de renda mais baixa. Os alimentos, que estão entre as grandes altas de preços, representam a
maior parcela no orçamento das
famílias carentes. No primeiro
mandato do presidente Fernando
Henrique Cardoso (95/98), a inflação se concentrou no setor de
serviços, como escola e saúde.
A Folha ouviu os economistas
Delfim Netto (deputado pelo
PPB-SP), Paulo Nogueira Batista
Júnior (professor da FGV-SP),
Gesner Oliveira (Tendências
Consultoria), Geraldo Biasoto e
Luiz Gonzaga Belluzzo (professores da Unicamp) e Cornélia Porto
(Dieese). Também foi entrevistado o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério
da Fazenda, Claudio Considera.
Os economistas avaliam que, se
o dólar recuar, a inflação tende a
voltar a níveis mais baixos. Mas
ressaltam que tanto o atual governo como o próximo não podem
tratar o assunto com leniência.
Dizem que é preciso tomar medidas para prevenir a propagação
dos aumentos de preços no ano
que vem.
Limitações
São muitas as limitações do governo para evitar o aumento da
inflação. Não se pode contar, por
exemplo, com a concorrência dos
importados para inibir aumentos
de preços da indústria local, como
ocorreu nos últimos sete anos.
Motivo: a desvalorização do real
ao longo de 2002 fez com que as
importações ficassem muito caras.
A grande concentração no setor
de supermercados é apontada como outra agravante. A concorrência no varejo é tida como insuficiente para garantir preços mais
baixos ao consumidor.
Para frear a atual alta de preços,
seria preciso uma desvalorização
do dólar, o que parece não estar
ao alcance da equipe econômica,
como ficou comprovado nos últimos meses.
Para piorar a situação, os preços
internacionais, em dólar, de alguns alimentos estão em alta. É o
caso da soja. Levantamento do
Fundo Monetário Internacional
mostra que no último ano o preço
dos alimentos subiu mais de 20%
em dólar.
Mesmo que os custos de produção internos sejam em reais, o
preço que o produtor cobra do
consumidor é baseado na cotação
internacional do produto.
Os contratos de reajustes das tarifas públicas, como telefonia e
energia elétrica, também colaboram para alimentar a inflação. As
tarifas são reajustadas pelo IGP-M, que é fortemente influenciado
pelo dólar.
Os analistas concordam, no entanto, que a estagnação econômica e o desemprego ajudarão a
conter a escalada de preços no
médio prazo. Quando o país deixa de crescer, o consumo diminui,
e os empresários perdem espaço
para aumentos. Taxas elevadas de
desemprego reduzem o poder de
barganha dos trabalhadores para
negociar reajustes salariais.
"O trabalhador vai perder poder de compra", diz Belluzzo. Segundo o professor da Unicamp,
será preciso conter os reajustes
salariais para evitar uma espiral
inflacionária. Como salário é custo para os empresários, aumentos
elevados provocam uma nova onda de reajustes dos preços finais.
Biasoto alerta que o próximo
governo, que tem bases eleitorais
em vários sindicatos, terá de tomar cuidado para não permitir
negociações salariais que colaborem para o aumento de preços.
Custo de vida
"Quem perde mais com a inflação atual é a população de baixa
renda, pois o alimento pesa muito
na sua cesta de consumo", lamenta Cornélia, coordenadora do Índice de Custo de Vida do Dieese.
O custo da cesta básica em 9 das
11 capitais pesquisadas pelo Dieese subiu mais de 10% no acumulado do ano até outubro. No mesmo período, o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe ficou
em 5,14%.
No mês passado, o IPCA (Índice
de Preços ao Consumidor Amplo) -índice usado pelo governo- ficou em 1,31%. O aumento
de preços do grupo alimentação e
das bebidas, no entanto, foi mais
do que o dobro, de 2,79%.
Expectativas
Para Gesner, o problema da inflação vai além do dólar. Ele diz
que os agentes do mercado não
têm confiança de que o governo
eleito controlará a inflação. Pela
primeira vez em 2002, a projeção
de inflação do mercado financeiro para 2003 superou a deste ano.
"Parece que estamos deixando
ir longe demais essa discussão.
Temos uma longa experiência de
expectativa inflacionária. Uma
vez começada, ela não é facilmente controlada. Aí o sofrimento é
muito maior", disse Delfim.
Gesner ressalta que o novo governo pode reverter esse quadro,
ao anunciar o nome de quem vai
comandar o BC e ao deixar claro
como vai segurar a inflação.
Em sua opinião, é preciso se
precaver para que o país não retorne à cultura inflacionária do
passado. "Quem já foi alcoólatra
pode voltar, num momento difícil, a beber."
A maioria dos entrevistados
não acha que a elevação dos juros
possa resolver o problema do aumento de preços. Para Nogueira,
como a inflação não é decorrência
do excesso de demanda, o BC não
deveria aumentar os juros básicos
da economia. "Não há sintomas
claros de que a economia esteja
saindo da estagnação. É prematuro falar em conter demanda [via
aumento de juros"."
Controle de preços
O governo não tem como coibir
supostos aumentos de preços
abusivos, segundo Considera.
Nos últimos dias, os supermercados alegaram que alguns fornecedores aproveitaram o momento
para elevar excessivamente seus
preços.
"O que é abuso? Quando se fala
em abuso, pressupõe-se que existe preço justo. Mas não existe preço justo quando se fala de livre
mercado", afirmou o secretário.
"Os supermercados se colocaram numa posição em que são
um oligopsônio (pequeno número de compradores) diante do fornecedor e um oligopólio (pequeno número de vendedores) diante
do consumidor. Se permitiu um
tipo de concentração em que se
reduzem as margens de quem
produz, aumentam-se os preços
para quem consome e elevam-se
as margens de comercialização",
afirma Delfim.
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