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DISTENSÃO
Discussão sobre dólar vai além da definição da taxa ideal e envolve interesses contraditórios de vários setores
Além de técnica, questão cambial é política
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
A questão cambial no Brasil não
é apenas técnica, mas política. Definir se o dólar no patamar atual
-abaixo dos R$ 3- é bom ou
ruim para o país envolve remexer
em interesses contraditórios,
amarras legais e velhos problemas
estruturais, jamais resolvidos, como o "custo Brasil".
O real valorizado acirrou os ânimos de analistas e empresários,
nas últimas semanas, porque
trouxe à luz problemas de competitividade, ineficiências e pressões
localizadas de custos que se tenta
sanar com um dólar mais robusto. "Cada setor ou empresa tem o
seu câmbio ideal, adaptado ao tamanho dos seus custos e dificuldades", diz Michel Allaby, presidente da Adebim (Associação de
Empresas Brasileiras para a Integração de Mercados).
O setor exportador, por exemplo, que "surfou" na onda ascendente do câmbio no ano passado,
agora teme a despencada do vagalhão. "Os altos custos de escoamento da safra agrícola, devido às
estradas ruins e à estrutura portuária deficiente, se diluem quando o dólar está a R$ 4", diz Emílio
Garófalo, ex-diretor da área externa do Banco Central.
Problemas setoriais
O impacto do câmbio, porém, é
desigual entre os exportadores.
Responsável por 32% dos US$
60,3 bilhões de exportações brasileiras de 2002, o setor de agribusiness é o que se equilibra mais precariamente sobre a prancha da
variação cambial.
Nesse caso, o dólar barato põe a
nu, além do "custo Brasil", dificuldades conjunturais, como
quedas de produção e de vendas e
aumentos de custos. "Os produtores de café, por exemplo, devem
ter neste ano uma safra menor
-cairá de 48 milhões de sacas no
segundo semestre de 2002 para 33
milhões no segundo semestre
deste ano", diz Fábio Silveira, economista da MB Consultores.
Já os produtores de açúcar, que
se comprometeram com o governo em reduzir a produção para fabricar mais álcool, também torcem por um dólar mais valorizado. Compensariam, assim, a queda no volume exportado.
Também o setor de carnes deve
encolher suas vendas lá fora por
conta de barreiras protecionistas
da Europa e da Rússia. Além disso, o aumento do preço do boi
gordo deve provocar uma queda
de quase 6% na rentabilidade das
exportações dos frigoríficos, segundo projeção da MB.
Os exportadores de carne suína
e frangos, como a Sadia, do ministro do Desenvolvimento, Luiz
Fernando Furlan, também sofrerão pressão de custos. No ano
passado, os preços do milho e da
soja tiveram aumento médio de
70%. "Essas empresas estão produzindo animais a um custo elevado, pois compraram insumos
com os preços em alta lá atrás",
diz André Vainer, analista do
banco Pactual.
A saída para os exportadores de
café, açúcar e carnes deverá ser o
chamado "contingenciamento"
das exportações. "Eles ficarão na
muda à espera de um câmbio melhor para compensar a queda no
volume exportado e o aumento
de custos", diz Silveira.
Esse movimento já é visível na
primeira quinzena deste mês. Segundo dados da Secex (Secretaria
de Comércio Exterior), os embarques de carne caíram para uma
média diária de US$ 13 milhões na
segunda semana deste mês em
comparação com os US$ 22,2 milhões da semana anterior.
Segundo Silveira, os volumes de
exportação do setor de agribusiness acompanham a curva da taxa
real de câmbio. "Desde dezembro, quando o câmbio parou de
subir, as forças para puxar os volumes para baixo ficaram muito
fortes", diz ele.
Esse movimento, porém, não
deverá provocar estragos na balança comercial, segundo os analistas. Ela será salva pelas exportações de soja, único segmento que
não será contaminado pela valorização do real.
O setor está com os preços internacionais no pico. "Isso está
turbinando os volumes exportados e as receitas dos exportadores", diz Silveira.
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