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"FASE DOIS"
Armando Monteiro Neto, presidente da entidade, afirma que proposta tributária é tímida e questiona papel atual do BNDES
Falta nitidez na política industrial, diz CNI
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Apesar de rasgados elogios à habilidade política e negociadora do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Armando Monteiro Neto, critica duramente o governo. Diz que a proposta de reforma tributária é "excessivamente tímida" e cobra a
definição de políticas para as
áreas industrial, tecnológica, regional e social.
"A política científica está uma
confusão, e a política industrial
não foi explicitada. Qual o papel
do BNDES [Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e
Social]? Não está claro", diz ele.
Na sua opinião, o ministro do
Desenvolvimento, Luiz Furlan,
"corre o sério risco de perder a
posição de protagonismo", o do
Planejamento, Guido Mantega,
nunca abriu a boca para falar de
equilíbrio regional e o da Integração Nacional, Ciro Gomes, está
sozinho: "É o Ciro e só o Ciro".
"Qual a política regional? Até
agora, ainda não internalizaram
nem explicitaram política nenhuma de desenvolvimento regional", disse Monteiro Neto.
Pernambucano, 51 anos, ele é
empresário do setor de máquinas
e sucroalcooleiro, deputado federal pelo PTB (era do PMDB até a
última terça-feira) e preside a CNI
desde outubro de 2002, época da
eleição de Lula.
Folha - Qual é a sua opinião sobre
esse início do governo Lula?
Armando Monteiro Neto -Sem
dúvida, há um consenso no setor
de que Lula está surpreendendo
positivamente. Ele é um político
hábil, um negociador competente. A disposição para a interlocução, para o diálogo, é uma das características mais fortes dele. Ninguém consegue sair de uma conversa com o presidente sem ficar
bem impressionado. A percepção
da comunidade empresarial mudou muito em relação ao ano passado. O clima era de desconfiança
recíproca. Agora, há um amplo
consenso de que ele vai bem.
Também nunca foi tão fácil falar
com os ministros, discutir propostas. Desde o início do governo,
doze ministros já vieram aqui, alguns mais de uma vez, além do vice-presidente José Alencar e do
presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles. Já vieram do
Palocci [Antonio Palocci Filho, da
Fazenda], ao Cristovam Buarque
[Educação]. E não é para coquetéis. É para debater propostas.
Folha - Então, o governo é um sucesso?
Monteiro Neto - Não, eu não disse isso. O presidente Lula e a esquerda brasileira aprenderam
muito com os traumas da esquerda na América Latina e, hoje, têm
uma compreensão muito grande
dos limites para operar mudanças
e transformações num país complexo como o Brasil. Eles têm plena consciência da importância do
equilíbrio e da institucionalidade.
Folha - Sim, e o governo?
Monteiro Neto - O Lula está muito bem, mas não se pode dizer o
mesmo do governo. A coordenação da economia, com Palocci, e a
articulação política, com José Dirceu [Casa Civil], indiscutivelmente funcionam bem. Mas não se
pode dizer que o governo esteja
funcionando bem no seu conjunto. Falta nitidez na política industrial e nos rumos da política tecnológica e falta articulação na
área social. O Ministério de Ciência e Tecnologia parece adotar
uma linha de priorizar a ciência
básica, teórica, acadêmica, o que é
um recuo. Hoje, a busca da inovação é crucial para moldar o futuro
da indústria brasileira. Deve-se
priorizar a pesquisa aplicada no
próprio ambiente produtivo. Os
fundos setoriais do MCT foram
um avanço do governo Fernando
Henrique Cardoso, não pode haver um recuo nisso.
A questão se torna ainda mais
complicada com uma combinação: a política científica está confusa e a política industrial ainda
não foi explicitada. Qual é o papel
do BNDES na nova política de desenvolvimento? Não está claro.
Na área social, há muitas idéias,
muitos projetos, mas qual o sentido de articulação? Nenhum. Qual
o conceito? Qual a metodologia?
O que aconteceu com o que vinha
sendo feito na direção correta?
Folha - Como o sr. está vendo a
nova etapa da discussão sobre estabilidade com crescimento?
Monteiro Neto - A disposição do
presidente e do governo é promover um maior ativismo governamental nas políticas de desenvolvimento. Isso é bom. A economia
brasileira tem alguns gargalos históricos, na infra-estrutura e na
carga tributária, na questão do financiamento, por exemplo, que
amarram o desenvolvimento. É
importante, sim, haver uma aliança estratégica do setor público
com o setor privado, inclusive na
dimensão institucional, para a
promoção da competitividade na
economia brasileira.
O problema é que, apesar dessa
postura, principalmente do presidente Lula, há uma enorme, evidente perplexidade conceitual.
Como vai ser? A política industrial vai ser horizontal ou vai ter
um foco vertical, setorial, priorizando que setores estratégicos?
Ninguém sabe.
Folha - O ministro Luiz Gushiken
(Comunicação e Gestão Estratégica) idealizou um núcleo estratégico justamente para discutir essas
questões, mas causou ciumeira interna. Furlan, por exemplo, deu um
pulo.
Monteiro Neto - Quanto mais
perto do Lula a discussão se fizer,
inclusive fisicamente, melhor. O
presidente arbitra, as discussões
não se perdem.
Folha -Traduzindo: o sr. acha que,
centrada em Gushiken, a discussão
está com Lula?
Monteiro Neto - Exatamente.
Folha - E o Furlan?
Monteiro Neto - Tem sido muito
cooperativo, é um operador competente, não é um criador de problema. Mas ele tem sido muito
monotemático, fala muito em exportação, exportação, exportação. Se o ministério dele não tiver
uma ação mais nítida e mais
agressiva de política industrial, de
desenvolvimento, ele corre o sério
risco de perder a posição de protagonismo no processo. Daí porque se cria um núcleo aqui, um
grupo ali, uma comissão acolá.
Folha - O sr. é nordestino. O que
está achando da política de desenvolvimento regional?
Monteiro Neto - Que política?
Até agora, ainda não internalizaram nem explicitaram política nenhuma de desenvolvimento regional no governo.
Folha - E o Ministério de Integração Nacional?
Monteiro Neto - Ministérios assim só existem quando não há
uma visão global, real, de equilíbrio federativo e regional. Como
não há essa visão ordinariamente,
cria-se um ministério extraordinário. Nem sempre funciona. Eu
admito que o Ciro até tenta fazer
as coisas andarem, mas o ministério dele foi mesmo incorporado
ao núcleo de poder? O BNDES fala alguma coisa sobre isso? E o
Guido Mantega? Eu nunca ouvi
uma palavra dele sobre a questão
regional. Embora o presidente tenha enorme visão de país, o governo ainda não incorporou nem
demonstrou isso.
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