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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A autonomia da China
LUCIANO COUTINHO
Não há paralelo para o
sucesso da política econômica chinesa nos últimos 20 anos em
termos de sustentação de elevada
taxa de crescimento (de 8,5% ao
ano, em média), redução da pobreza e avanço competitivo medido em termos de participação nas
exportações mundiais (cresceu de
0,9% em 1980 para 3,4% em
1998). Se avaliado com base na
PPP (paridade de poder de compra), o PIB da China é hoje o segundo do mundo, atrás apenas
dos Estados Unidos. Sua taxa
agregada de investimento alcança 40% do PIB e seu índice de alfabetização plena é de 82% da população.
Apesar da veloz abertura econômica (a corrente de comércio exterior subiu de 16% do PIB em
1980 para 41% em 1999), é notável
sublinhar que a China não se tornou vulnerável. Sua política econômica não permitiu a formação
de um déficit em transações correntes que a obrigasse a tomar recursos emprestados no mercado
internacional. Bem ao contrário,
a China ostenta um significativo
superávit comercial, é grande receptora de investimentos diretos
estrangeiros e mantém suas contas externas com saldo positivo,
acumulando reservas de divisas
superiores a US$ 200 bilhões. Por
isso, apesar do elevado grau de
abertura comercial, a economia
chinesa tem-se mostrado bastante
robusta ante os choques externos,
tendo ultrapassado quase incólume as crises que flagelaram as
economias emergentes desde
1997.
Mas, apesar do inegável sucesso
até agora, não são fáceis os desafios que se antepõem ao seu futuro. Desde logo há o repto de sustentar uma elevada taxa de crescimento sem a qual não se criam
empregos na escala necessária para manter a hegemonia do PC sobre o Estado (associado às Forças
Armadas) numa sociedade crescentemente permeada por valores
consumistas e individualistas, que
tendem a erodir o substrato ético e
ideológico do seu regime político
monopartidário. O tamanho da
população chinesa (1,3 bilhão de
pessoas) e a intensidade da migração campo-cidade requerem a
criação de, pelo menos, 10 milhões
de novos empregos por ano para
manter o equilíbrio social, evitando que o desemprego urbano suba
de forma desestabilizadora.
Esse brilhante desempenho econômico exigiu e exige exportações
e importações crescentes. A forte
expansão das importações nos últimos anos resulta de duas condições: 1) da estreita base de recursos naturais e de terra agricultável, que requer importações suplementares de várias matérias-primas e alimentos; 2) da óbvia necessidade de importar bens de capital, tecnologia e componentes
sofisticados para dar suporte à expansão industrial.
Até o presente, a China tem conseguido realizar um extraordinário e continuado incremento de
suas exportações (US$ 249,3 bilhões em 2000) para fechar com
folga as suas contas, tendo-se tornado a campeã mundial em manufaturas leves intensivas em trabalho (por exemplo, brinquedos,
artigos esportivos, calçados, vestuário, malas e artigos de viagem). Mas não é mais possível que
sua participação (já alta, entre
um quarto e um terço) continue
crescendo no mercado mundial
desses bens. Será necessário diversificar, ingressando em setores
mais dinâmicos e de maior conteúdo tecnológico. A política chinesa está-se movendo nessa direção: equipamentos de informática
e de telecomunicações já ocupam
posições importantes na pauta exportadora (com, respectivamente,
US$ 6,2 bilhões e US$ 5,9 bilhões
em exportações em 1998). O governo tem priorizado o desenvolvimento dos setores das tecnologias de informação e vem negociando associações com empresas
estrangeiras a fim de absorver capacitação tecnológica e obter canais de exportação. Simultaneamente há firme apoio às empresas
nacionais, com significativa expansão recente de programas de
P&D, treinamento e formação de
recursos humanos de alto nível.
A escassez relativa de recursos
naturais (reservas de água doce,
florestas, terras agricultáveis, recursos minerais) diante do tamanho da população, assim como o
ritmo de deterioração do ambiente, constitui problema grave. É necessário poupar os recursos naturais através de inovações técnicas,
de formas inteligentes de racionamento e da escolha de especializações econômicas menos demandantes dos fatores escassos. Nesse
sentido, o complexo das tecnologias de informação é uma opção
duplamente adequada (dos ângulos ambiental e de competitividade exportadora).
A China terá ainda de enfrentar
vários outros desafios, a saber:
reestruturar e fortalecer o seu sistema bancário, comprometido
com empréstimos insolventes; lidar com as crescentes desigualdades regionais e sociais; avançar na
modernização do aparelho do Estado; aperfeiçoar sua estrutura
fiscal e tributária; cuidar bem dos
setores em que predomina a empresa privada. Essa é, sem dúvida,
uma agenda difícil, mas a China
tem a grande vantagem de ter
construído condições autônomas
para tocar um projeto nacional de
desenvolvimento coeso e articulado por um Estado razoavelmente
competente, consciente e pragmático. Sua experiência deveria inspirar muitas lições ao Brasil.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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