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TRABALHO
Comissões só deveriam resolver conflitos trabalhistas, mas fazem até homologações sem pagar verbas rescisórias
Acordo de conciliação lesa trabalhadores
Carolina Venturelli/Folha Imagem
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O ajudante-geral Alcides Maria que teria sido encaminhado a comissão de conciliação pela empresa que o demitiu sem informação correta, o que teria causado perdas de direitos |
FÁTIMA FERNANDES
E CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Gilvan de Jesus Ferreira, 32, vigilante, foi demitido em março
após trabalhar dois anos numa
empresa de segurança. Na hora de
acertar as contas, a decepção: levou para casa R$ 1.400, ou 27% do
que tinha direito (R$ 5.104,64).
Doraci Lopes trabalhou quatro
anos numa empresa que terceiriza serviços de limpeza. Demitida
em setembro de 2001, recebeu da
companhia R$ 593,22, ou 43% do
que deveria (R$ 1.375,82).
As rescisões de contrato de trabalho de Gilvan e de Doraci foram
feitas em comissões de conciliação prévia -as chamadas
CCPs-, que, pela lei, podem ser
criadas desde janeiro de 2000.
Assim como eles, outros trabalhadores vêm sofrendo golpes
dessas comissões. É que, pela lei
nº 9.958, que criou essas comissões, elas deveriam resolver conflitos trabalhistas. Só que, na prática, estão fazendo até homologações de rescisão de contrato de
trabalho -o que, por lei, só é permitido às Delegacias Regionais de
Trabalho e aos sindicatos de categoria. A comissão de Gilvan está
ligada a um sindicato de trabalhadores associado à Força Sindical.
A de Doraci, a um sindicato filiado à SDS (Social Democracia Sindical).
Só autoridade do trabalho -as
Delegacias Regionais do Trabalho- e os sindicatos de trabalhadores estão aptos a fazer homologações - que é o ato de confirmar ou aprovar por autoridade
judicial ou administrativa. Os sindicatos só podem homologar
contratos de profissionais pertencentes às suas categorias. É o que
diz o artigo 477 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
A prática mais comum dessas
CCPs é chamar o trabalhador para fazer o acerto com a empresa
sem que ele passe antes pela homologação do contrato de trabalho. Isto é não recebe direitos das
verbas rescisórias -como FGTS,
férias, 40% de multa sobre FGTS e
saldo de salário - antes de ir a essas comissões. Todo esse acerto
acaba sendo feito na comissão.
Advogados trabalhistas dizem
que essa prática é considerada
fraude, pois o pagamento de verbas rescisórias (FGTS, férias e saldo de salário) não é caracterizado
como conflito trabalhista, portanto, não poderia ser quitado numa
comissão de conciliação. As verbas são direitos garantidos pela
Constituição aos trabalhadores.
Estima-se que 250 comissões estão atuando no Estado de São
Paulo. No país, são cerca de mil.
Na avaliação de juízes, advogados
e entidades consultadas pela Folha, apenas 10% desse total está
atuando dentro da lei.
Gilvan e Doraci são duas das
milhares de vítimas das CCPs
mal-intencionadas que estão espalhadas pelo país. Além de receber menos do que deviam, eles assinaram um termo de quitação
geral que não lhes dá mais direito
de reclamar na Justiça.
É que os acordos feitos nas
CCPs têm o poder de encerrar
pendências entre patrões e empregados, já que ambos os lados
têm voz -ou deveriam ter voz-
nas negociações que ocorrem nas
CCPs. As comissões são formadas
por representantes de trabalhadores e de empresários.
O que os trabalhadores que procuraram a Justiça alegam, porém,
é que o acordo chega pronto para
eles assinarem. No desespero de
receber qualquer valor, eles fecham negócio sem saber que o
acerto dá por encerradas todas as
pendências trabalhistas.
As empresas tentam convencê-los, segundo a Folha ouviu de vários trabalhadores, de que é melhor receber o que está escrito no
papel, que é o que elas se dispõem
a pagar, do que eles procurarem a
Justiça do Trabalho, que demora
anos para resolver os conflitos.
Muitas das comissões, dizem
eles, também estão atuando fora
das suas áreas. Ligadas ao setor da
construção, por exemplo, elas
acabam intermediando acordos
entre empresas e empregados do
setor de comércio. O problema,
nesse caso, é que o sindicato do
trabalhador que é levado para a
conciliação não está lá para defender os interesses dos empregados.
Denúncias
Uma enxurrada de denúncias
de advogados, juízes e trabalhadores já chegou ao conhecimento
do Tribunal Superior do Trabalho, que está investigando as
CCPs. O Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, por
exemplo, reuniu cerca de 50 denúncias de trabalhadores que foram lesados pelas comissões. Há
entidades que atuam como falsos
tribunais usando até brasões e
bandeiras, segundo os relatos.
O sindicato já encaminhou toda
essa documentação, em conjunto
com a Comissão de Relações do
Trabalho da Assembléia Legislativa, à Procuradoria Regional do
Trabalho da 2ª Região, que também investiga as denúncias.
Ricardo Gebrim, advogado trabalhista, diz que, se a procuradoria confirmar que as CCPs estão
envolvidas em irregularidades,
ela pode até entrar com ação civil
pública para dissolvê-las. "Nós,
de qualquer forma, vamos entrar
na Justiça, porque entendemos
que as CCPs praticam crime contra a organização do trabalho."
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho) encaminhou relatório
ao governo com irregularidades
constatadas em comissões de cinco Estados: SP, AM, RJ, RS e RN.
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