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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Brasil 2022, o bicentenário da Independência
ALOIZIO MERCADANTE
"(...) Temos enormes potencialidades
e enormes desigualdades. Precisamos retomar o hábito de pensar pela
nossa cabeça qual o modelo que
mais nos convém." Celso Furtado,
maio de 1997
Depois de um período em
que o rápido crescimento
econômico, mesmo deixando sem
solução a questão social, criou a
ilusão de que poderíamos encurtar a distância que nos separava
das nações mais desenvolvidas, o
Brasil se encontra, desde o início
dos anos 80, em uma situação de
semi-estagnação e, pior ainda,
diante de um ordenamento internacional no qual as macrotendências dominantes convergem
para aprofundar as assimetrias
de riqueza e de poder existentes.
A financeirização da economia
mundial, desencadeada nos anos
70, potencializou as forças centrípetas que tendem a concentrar
nos seus núcleos mais desenvolvidos a capacidade de acumulação
de capital e de inovação tecnológica, ao mesmo tempo em que as
políticas neoliberais praticadas
internamente, como parte desse
processo global, desaparelharam
os países periféricos para a formulação e a implementação de políticas de desenvolvimento adequadas às suas realidades sociais.
As políticas neoliberais não somente restringiram o crescimento
e tornaram mais vulneráveis os
países em desenvolvimento mas
também levaram ao desmonte
dos mecanismos de planejamento
estratégico -que possibilitavam
organizar e racionalizar os investimentos, políticas e ações do Estado a médio e longo prazo- e
expurgaram da sua agenda a temática do desenvolvimento.
Além disso, subordinaram, direta
ou indiretamente, o desenho das
políticas econômicas nacionais
aos critérios estabelecidos pelos
centros de decisão da grande finança internacional. Os países
periféricos ficaram presos em
uma armadilha na qual o curto
prazo e a "credibilidade" devida
a credores e a especuladores internos e externos passaram a constituir o eixo da agenda dos governos nacionais.
O Brasil, para retomar seu processo de desenvolvimento, não
pode ficar refém dos problemas
monetário-financeiros de curto
prazo. Como afirmou recentemente o presidente Lula, temos de
pensar nosso país com grandeza,
com perspectiva de longo prazo e
visão nacional. Em 2022, completaremos 200 anos de vida independente. Podemos transformar
a data em um marco na nossa
história política e econômica, que
assinale a maturidade do processo de construção do nosso projeto
de nação e de sociedade.
Isso significa colocar-nos alguns
objetivos e metas fundamentais.
A primeira delas é reduzir, substancialmente, os atuais índices de
pobreza e extrema desigualdade
na distribuição de renda e riqueza e alcançar um grau de homogeneização social próximo ao que
prevalece hoje em alguns países
europeus de desenvolvimento
médio, como a Itália. Lá, os 20%
mais pobres da população detêm
quase 9% da renda total (contra
2,5% no Brasil) e a participação
dos 20% mais ricos é de 36%
(contra 63,8% no nosso caso). A
classe média -os 60% restantes- tem uma participação de
55%, bastante superior aos 33,8%
de sua equivalente brasileira.
Será essencial também fazer
uma verdadeira revolução educacional, que permita erradicar o
analfabetismo, aumentar o índice de escolaridade dos atuais 7
anos para pelo menos 11 anos, elevar a qualidade do ensino em todos os níveis, assegurar a universalização do ensino primário e
médio e fortalecer a universidade
pública, consolidando sua autonomia e sua integração ao esforço
de desenvolvimento científico e
tecnológico do país.
Um terceiro objetivo estratégico
é manter um nível de dinamismo
do mercado de trabalho capaz de
permitir a redução da taxa de desemprego total da economia dos
atuais 20% (metodologia do
Dieese) para um máximo de 5%,
paralelamente à diminuição, para algo em torno de 10%, do número de trabalhadores sem carteira em relação ao total de assalariados. Isso implicará a criação
de cerca de 35 milhões de postos
de trabalho ao longo dos próximos 19 anos.
Tudo isso supõe alcançar taxas
elevadas e sustentáveis de crescimento, que nos aproximem dos
padrões hoje prevalecentes nas
economias de desenvolvimento
médio, como a Espanha, que em
2001 tinha renda média de US$
14,3 mil contra US$ 3.100 do Brasil. Se crescêssemos a um ritmo similar ao do período que vai do
pós-guerra até 1979, antes da destruição causada pela crise da dívida externa e pelas políticas neoliberais adotadas a partir de 1990
(cerca de 7% anuais), poderíamos, em 2022, elevar nossa renda
média para cerca de US$ 10,5 mil.
É uma taxa elevada nas atuais
condições da economia mundial,
mas dá a dimensão do esforço
que será preciso realizar nessa esfera.
Simultaneamente teremos de
avançar em diversos outros planos: a modificação da relação entre o Estado e a sociedade, com a
democratização crescente de todas as instâncias de representação e decisão política, o equacionamento da dependência estrutural do país em relação ao capital estrangeiro, a criação de uma
capacidade endógena de produção e difusão do conhecimento
técnico-científico, a incorporação
do conceito de sustentabilidade a
todas as dimensões da política de
desenvolvimento, a redução dos
desequilíbrios regionais e a integração do território com critério
de desenvolvimento nacional, a
consolidação da soberania nacional sobre a Amazônia, dentro de
uma visão estratégica de desenvolvimento social e ecologicamente sustentável, a redução de
pelo menos 80% dos níveis atuais
de violência, paralelamente à reforma e à humanização do sistema prisional, e a implantação,
em todo o país, de um elevado
grau de respeito e valorização dos
direitos humanos.
Ao longo de 181 anos de vida independente, o movimento popular conseguiu forjar sua identidade e afirmar sua presença na sociedade brasileira. A eleição do
presidente Lula é parte desse processo, que abre para o país a oportunidade de discutir um projeto
estratégico de nação. O bicentenário poderia ser a data de referência para concretizar, nesse
projeto, os sonhos que, historicamente, alimentaram a resistência
e a luta do povo brasileiro contra
a exclusão social, a dominação
política e a dependência econômica.
Aloizio Mercadante, 49, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário
de Relações Internacionais do Partido
dos Trabalhadores e líder do governo no
Senado Federal.
E-mail -
mercadante@senador.gov.br
Internet:
www.mercadante.com.br
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