|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
POUSO DA ÁGUIA
Para Robert Brenner, da UCLA, falta de investimentos externos ameaça país com dólar fraco ou alta de juros
Historiador prevê nova recessão nos Estados Unidos
DA REPORTAGEM LOCAL
A redução de investimentos domésticos nos Estados Unidos está
longe do fim. Para piorar a situação, a capacidade dos consumidores de continuar sustentando a
economia com seus gastos também parece estar se esgotando.
Esse cenário ameaça empurrar o
país para uma recessão. E não há
vitória militar no Iraque capaz de
mudar esse quadro.
As opiniões são de Robert Brenner, renomado historiador norte-americano, que é professor e diretor do Departamento de Teoria
Social e História Comparativa da
Universidade da Califórnia, em
Los Angeles (UCLA).
O historiador, especializado em
economia, teme ainda a emergência de um problema ainda maior
para os EUA. Com a fraqueza econômica do país, investidores estrangeiros estão cada vez menos
dispostos a financiar o gigantesco
déficit que o país mantém em suas
transações com o exterior.
Se essa tendência persistir o governo norte-americano terá de
enfrentar o seguinte dilema: ou
deixa o dólar se desvalorizar ainda mais ou sobe os juros. As duas
soluções, no entanto, teriam impacto nefasto sobre a economia.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Brenner-
que acaba de ter seu livro "O
boom e a bolha: os Estados Unidos na economia mundial" lançado no Brasil pela Record- à Folha.Ë(ÉRICA FRAGA)
Folha -Muitos analistas apostam
que o fim da guerra trará recuperação à economia mundial. O senhor
concorda com essa suposição?
Robert Brenner - Essas expectativas se baseiam na opinião de que
a guerra era a principal responsável pela estagnação econômica.
Mas isso ignora as múltiplas fraquezas da economia, que muito
provavelmente continuarão a resultar em estagnação no futuro
previsível, ou em algo até pior.
O investimento é a chave para
qualquer recuperação, mas ele
caiu acentuadamente em 2001 e
de novo em 2002, e hoje, em base
anualizada, está 10% abaixo de
seu nível de 2000. Além disso, não
surgiu qualquer sinal de uma recuperação em 2003.
Com o declínio no investimento
e o crescimento no déficit comercial, os gastos dos consumidores
vêm conduzindo a economia,
mas é duvidoso que possam continuar a fazê-lo.
Isso se deve ao fato de que o aumento nos gastos dos consumidores dependeram, em nível sem
precedentes, de um crescimento
jamais visto no nível de endividamento doméstico. Há, porém,
fortes motivos para acreditar que
a capacidade das famílias para tomar empréstimos esteja se reduzindo rapidamente.
A relação entre dívidas e renda
pessoal está em um pico histórico
no momento. O índice de desemprego aumentou muito mais do
que os números oficiais demonstram, já que estes últimos não incluem os dois milhões de "trabalhadores desencorajados" que
simplesmente saíram da força de
trabalho. Talvez o pior seja o fato
de que aparentemente a bolha no
mercado imobiliário -que, combinada às baixas taxas de juros, vinha sustentado o aumento no endividamento domiciliar ao longo
dos dois últimos anos- está perto de estourar.
Esses fatores, tanto ou mais que
a guerra no Iraque, são provavelmente responsáveis pelo fato de
que os gastos reais dos consumidores tenham caído nos três últimos meses. Se essa tendência de
queda persistir, a economia voltará à recessão.
Folha - A crise do excesso de produção nos países desenvolvidos
acabou?
Brenner - É basicamente porque
a crise do excesso de capacidade
não foi superada que o investimento, o principal propulsor da
economia, continuou a cair, impedindo qualquer indicação de
uma verdadeira recuperação.
O excesso de capacidade resulta
da imensa explosão no investimento durante os anos finais da
década de 90, tornada possível pela bolha no mercado de ações,
mas que aconteceu em meio a
uma queda de 20% no índice de
lucros não financeiros entre 1997
e 2000. Quando veio o crash do
mercado de ações, o imenso estoque de fábricas e equipamentos,
especialmente nos setores industrial e de alta tecnologia, foi revelado. A contração resultante,
acompanhada por reduções entre
10% e 15% de suas forças de trabalho, foi a principal força que levou
a economia para baixo desde a
metade de 2000.
Mas é evidente que essa tendência negativa continuará. O setor
industrial opera hoje em nível
27% inferior ao seu potencial, o
mais baixo desde 1983. A capacidade utilizada no setor de tecnologia da informação é ainda mais
baixa. A combinação resultante
de capacidade ociosa e severa
pressão de baixa sobre os preços
perpetuou a desastrosa queda nos
lucros até agora. Essa crise da lucratividade é a fonte primordial
da fraqueza econômica atual dos
Estados Unidos.
É por causa desse excesso de capacidade que as extraordinárias
reduções nas taxas de juros decretadas por Alan Greenspan, um total de 5,25% de corte em apenas
dois anos, foram tão ineficazes no
restabelecimento da expansão
econômica. Por que as empresas
tomariam dinheiro emprestado
se não têm intenção de investir, já
que dispõem de um excedente de
fábricas e equipamentos?
Sem dúvida o aumento no déficit do Orçamento federal sob o
governo Bush, alimentado pelos
imensos cortes de impostos para
os ricos e pela alta veloz dos gastos
militares, ajudou a estabilizar a
economia. Mas, dada a situação
atual, tem pouca chance de gerar
dinamismo econômico.
Folha - Os ativos financeiros já estão no seu preço justo?
Brenner - O mercado de ações
continua significativamente sobrevalorizado. Isso se deve ao fato
de que, embora os preços das
ações tenham caído significativamente, os lucros das empresas
exibiram queda semelhante.
As relações entre preço e lucro,
portanto, não estão muito abaixo
de sua posição no pico do boom
dos mercados. Especialmente
porque as Bolsas de Valores já
passaram pela corrida que normalmente acompanha o final de
hostilidades ou de uma vitória
militar. E ao que parece temos
agora um sério risco de queda. A
situação se torna ainda mais grave
diante dos déficits comercial e de
conta corrente descontrolados
que os EUA vêm acumulando.
Até recentemente, os investidores internacionais estavam felizes
em financiar esses déficits. Mas à
medida que a economia norte-americana em geral e os mercados de ações especialmente continuam a decepcionar, o resto do
mundo passou a reduzir severamente essas compras. Como resultado desse desencanto, a pressão sobre a moeda subiu, e o dólar
caiu cerca de 20% em relação ao
euro no espaço de um ano.
Se essas tendências se mantiverem, o Federal Reserve (banco
central dos Estados Unidos) pode
ter de enfrentar uma escolha dolorosa. Se deixar que o dólar caia,
correrá o risco de uma liquidação
generalizada de posições estrangeiras em investimentos norte-americanos. Isso causaria calamidade nos mercados de ativos e
provavelmente causaria uma verdadeira fuga do dólar. Se elevar as
taxas de juros, poderá empurrar a
economia a uma recessão ainda
mais profunda.
Texto Anterior: Teles, energia e varejo devem ter movimentações, dizem analistas Próximo Texto: Mercados e serviços: Empresa recolhe contribuição de autônomo Índice
|