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OPINIÃO ECONÔMICA
A chave da parábola
RUBENS RICUPERO
É raro no Evangelho que Jesus explique suas parábolas,
pois, como as metáforas, elas deveriam ser auto-evidentes. A exceção maior é quando, a pedido
dos apóstolos, ele "desconstrói",
dando o sentido didático de cada
elemento, a história do semeador,
a que, na bela tradução oitocentista do padre Antonio Pereira de
Figueiredo, se abre com frase em
que todas as palavras começam
com s: "Saiu o semeador a semear
a sua semente".
Minha amiga Cecilia Soto, personalidade de exceção que representa o México no Brasil, enviou-me cópia de carta que dirigiu à
Folha sobre reportagem do "Financial Times" a respeito do seu
país, com comentários inteligentes acerca de meu artigo de domingo passado, no qual citava-se
o jornal britânico. Minha intenção não era tanto examinar em
profundidade os acontecimentos
mexicanos, porque faltam-me
para isso informações mais completas e precisas. O que fiz foi utilizar a recente história asteca como parábola das frustrações da
América Latina.
Poderia ter recorrido ao exemplo do Chile, mas o caso mexicano ilustra melhor o foco central
de minha argumentação: o desenvolvimento pleno e sustentado
não se confunde com o êxito exportador, nem mesmo de manufaturados "nobres", nem com a
obtenção do "investment grade"
das agências de crédito e com a
atração de investimentos, nem
com a redução da carga tributária a níveis baixos inimagináveis
para a maioria dos países. "Não
se confunde" significa simplesmente que não devemos reduzir o
desenvolvimento a uma espécie
de consequência automática de
tais resultados, não que eles não
sejam verdadeiros e desejáveis.
Deixei claro que "todas essas
conquistas... (eram) progressos
reais e admiráveis, avanços (que)
merecem respeito", expressões
textuais empregadas. Acrescentei
que o Brasil estava longe de emular tais conquistas, e aqui começo
a esclarecer minhas intenções.
Em nosso país e nos demais, ouvimos com frequência que temos de
expandir com vigor as exportações, sobretudo de manufaturados, e estou entre os que vêm
martelando há anos nessa tecla.
A longo prazo, porém, o sucesso
exportador não basta para manter crescimento alto e estável se
depender em excesso de insumos
importados, com baixa adição de
valor local e se aumentar a concentração em um só mercado,
tornando-nos reféns das vicissitudes da economia do parceiro
principal. É verdade que mesmo
a indústria de linha de montagem é útil como estágio para algo
melhor, já que sempre gera empregos, renda, exportações. Não
passa, contudo, de estágio precário por basear-se em fator -a
mão-de-obra barata- abundante na China e em outras paragens asiáticas.
O êxito mexicano é espetacular
tanto em triplicar as exportações
em sete anos -e faço votos para
que logo aumente e melhore o valor agregado- quanto na obtenção do "investment grade". Um e
outro são apresentados no Brasil
como a chave para o crescimento,
embora pareça pouco provável
que possamos reproduzir tais resultados num futuro próximo. Se
fosse certo o que se diz desses fatores -e a eles teríamos de acrescentar a carga tributária correspondente a um terço apenas da
brasileira-, deveríamos constatar um crescimento da economia
mexicana incomparavelmente
mais alto do que tem sido, e não
só nos anos coincidentes com o
boom americano. Aliás, em teoria, um acordo de livre comércio
entre países de grande diferencial
de desenvolvimento, como é o
Nafta entre os EUA e o México,
teria de produzir a gradual convergência da economia menos
avançada com a de nível superior. Para tanto, a economia mexicana precisaria estar crescendo
muito mais rápido que a americana -e o contrário é o que
acontece.
Todavia não é só o México que
não cresce a velocidade satisfatória: nenhuma economia latino-americana vem tendo desempenho à prova de crítica. O próprio
Chile, até pouco uma aparente
exceção, deve sua alta média nos
anos 90 (6,7%) à primeira, não à
segunda metade da década. Desde 1998, a economia chilena se
desacelerou e só cresce a taxas entre 2% e 3% anuais. Ora, a fim de
passar no teste do desenvolvimento, é indispensável atingir expansão elevada -entre 5,5% e
6,5%- não em três ou quatro
anos, mas ao longo de três ou
quatro décadas. Esse tem sido o
desempenho de Coréia do Sul,
Taiwan, Cingapura, Hong Kong,
Malásia, imitados pela China já
durante mais de 22 anos. Ademais, todos esses asiáticos reduziram substancialmente a pobreza
absoluta e melhoraram a distribuição de renda. Enquanto não
chegarmos perto dessas metas, seremos condenados a buscar na
realidade frustrante da América
Latina a parábola inspiradora de
uma mudança de modelo econômico.
Rubens Ricupero, 66, é secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).
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