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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Efeitos negativos da política cambial na Ásia
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
O tema do momento, entre os
analistas das tendências da
economia mundial, é a resistência dos países asiáticos diante das
sugestões ou das súplicas para
que valorizem suas moedas. As
edições das revistas "The Economist" e "Business Week" que acabam de chegar às bancas trazem
matérias alentadas, verdadeiros
alertas, sobre os efeitos negativos
das políticas cambiais em curso
na Ásia na pretendida correção
dos desequilíbrios do balanço de
pagamentos entre os três blocos
mais importantes da economia
global.
Desde que iniciou seu movimento descendente, no começo de
2000, o dólar perdeu 25% de seu
valor em relação ao euro, mas
apenas 10% ou menos quando cotejado com as moedas asiáticas.
Permaneceu estável, diga-se, em
relação ao yuan, a moeda chinesa. Em 2002, o déficit dos Estados
Unidos com a China chegou a
US$ 103 bilhões. As economias da
Ásia, em conjunto, foram responsáveis pela metade do déficit total
americano, superior a US$ 400 bilhões.
Americanos e europeus estão
incomodados com a teimosia dos
asiáticos que não parecem dispostos a abandonar as políticas de
subvalorização de suas moedas. E
não é para menos: os dados da
"The Economist" mostram que
entre janeiro de 2002 e julho de
2003 a China acumulou mais US$
60 bilhões de reservas em divisas,
ultrapassando a cifra total de US$
300 bilhões; o Japão aumentou
suas reservas em US$ 36 bilhões,
chegando ao total de US$ 500 bilhões; Taiwan engordou seu caixa
em US$ 45 bilhões, atingindo o total de US$ 190 bilhões. A Coréia
foi mais modesta: amealhou US$
28 bilhões no período, atingindo o
total de US$ 120 bilhões. A Índia
não deixou por menos: no período em exame ampliou em US$ 73
bilhões seu estoque de reservas. Os
asiáticos, todos sabem, sempre
adotaram políticas mercantilistas
de comércio exterior com o objetivo de sustentar estratégias de
crescimento acelerado. A busca
de saldos comerciais expressivos,
com rápido crescimento das exportações, tem o propósito de permitir taxas de acumulação de capital muito elevadas, acompanhadas de altos índices de endividamento das empresas e de formação de poupança privada.
Essas políticas são desdenhosamente chamadas de neomercantilistas porquanto colocam ênfase
na obtenção de um saldo comercial favorável e na acumulação de
reservas. Na visão contemporânea, tais práticas afetam negativamente o comércio internacional, na medida em que perpetuam desequilíbrios nos balanços
de pagamento de outros países e
subtraem liquidez às transações
globais.
Mas, num mundo em que são
fortes as assimetrias de poder econômico e financeiro entre as nações, as práticas neomercantilistas não só têm propiciado o avanço tecnológico e produtivo das
economias em desenvolvimento
como permitem a adoção de políticas monetárias mais frouxas, isto é, taxas de juros mais baixas
que favorecem a expansão do crédito doméstico, condição essencial para a expansão da economia capitalista moderna. A acumulação de reservas elevadas
-capturadas através dos saldos
comerciais e não de endividamento- garante o atendimento
da demanda por liquidez em
moeda forte e assegura a estabilidade da taxa de câmbio.
A "The Economist" diz que, depois da crise cambial e financeira
de 1997, é compreensível que os
países asiáticos desejem manter
reservas elevadas para defender
suas moedas de futuros ataques.
Mas afirma, corretamente, que as
operações de esterilização -mediante a colocação de títulos públicos para absorver o "excesso"
de liquidez gerado pela formação
de reservas- vão se tornando cada vez mais onerosas.
Muitos países da região, inclusive a China, estão estimulando
empresas e famílias a adquirir
ativos no exterior, como forma de
evitar os efeitos monetários da expansão das reservas. Desde 2000,
algumas economias asiáticas tornaram-se -no fluxo anual de capitais- credoras líquidas, ajudando a financiar os déficits do
balanço em conta corrente dos
Estados Unidos.
Para países descuidados resta
um aviso amigo: a economia
mundial, depois do forte deslocamento do capital produtivo nos
anos 90, está com capacidade excedente em quase todos os setores.
Uma fração importante da nova
capacidade criada por esse ciclo
de expansão está localizada na
Ásia. Essa circunstância vai tornar ainda mais acirrada a luta
pela conquista de mercados e
mais difícil o ajustamento do déficit em conta corrente dos Estados Unidos.
A falta de memória é o caminho
mais curto entre a última crise
cambial e a próxima. A receita
para esses desfechos trágicos é sabida: valorize o câmbio, financie
o déficit em conta corrente com
endividamento externo e permita
a acumulação rápida da dívida
interna de curto prazo, a outra face do aumento das reservas "emprestadas".
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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