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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Crescimento e equidade
ALOIZIO MERCADANTE
O nível de desigualdade social do Brasil não é só inaceitável do ponto de vista ético e
absurdo da ótica da constelação
de recursos e de potencialidades
do país. É também vergonhoso
quando projetado no cenário internacional: entre 110 países para
os quais existe informação, listados pelo Banco Mundial, o Brasil
é um dos que ostentam os maiores índices de desigualdade, qualquer que seja o método de medição utilizado.
A participação dos 20% mais
pobres da população na renda total, por exemplo, é da ordem de
2,5% no caso brasileiro. Somente
em Serra Leoa, na República Central Africana, na Guatemala e no
Paraguai os mais pobres têm participação menor na renda do que
no Brasil. Somos o quinto do
mundo. Mas, se tomarmos o extremo oposto, os 20% mais ricos
da população, o Brasil ganha três
posições: é o segundo do mundo,
com um nível de participação dos
mais ricos na renda em torno de
63,8%, só superado pela República Central Africana, que ostenta
uma marca de 65%.
A comparação com países de
maior desenvolvimento põe ainda mais em evidência as distorções da estrutura distributiva
brasileira. Com os Estados Unidos -que não chegam a ser um
exemplo em matéria de distribuição de renda- temos muitas semelhanças nos estratos superiores
da escala de distribuição. Lá, no
entanto, os 20% de menores rendas têm participação maior no
total (4%) . Os mais pobres dos
mais pobres -os 10% de menores
rendas- aqui participam com
0,9% e lá, com 1,8% da renda total. Além disso, a renda per capita
desse segmento nos Estados Unidos é em torno de 22 vezes maior
do que no Brasil, onde é da ordem
de US$ 228 anuais, equivalentes a
aproximadamente R$ 57 por mês,
ao câmbio médio de US$ 3.
Já o confronto com as cifras relativas aos países europeus de desenvolvimento intermediário
-como a Itália- mostra diferenças muito mais marcadas tanto no topo como na base da pirâmide de distribuição. Na Itália, os
20% mais pobres da população
detêm 7,8% da renda total. Mesmo os 10% de rendas mais baixas
têm participação de 3,5%, ou seja,
praticamente quatro vezes mais
do que no Brasil. Porém as diferenças são mais gritantes nos níveis superiores da escala. Os 20%
de rendas mais altas detêm 36,3%
da renda total, e a parcela dos
10% mais ricos não passa de
21,8%, menos da metade do que
corresponde a esse segmento no
caso brasileiro.
Mas a estrutura de distribuição
de renda no Brasil não é apenas
polarizada. Também os segmentos intermediários apresentam
porcentagens de participação
muito inferiores às que se encontram em países com estruturas sociais mais homogêneas. Por
exemplo, se dividirmos a população brasileira em cinco grupos,
cada um com 20% do total de habitantes, os três grupos de rendas
mais baixas (60% da população)
têm participação de somente 18%
da renda total. No caso da Itália,
esses grupos detêm 40,8% da renda total. É por isso que o coeficiente de Gini -indicador-síntese do nível de desigualdade, que
varia de zero a um- é de 0,600
no Brasil (o terceiro mais alto entre os 110 países na lista do Banco
Mundial) e de apenas 0,273 na
Itália.
Mudar esse quadro e aproximar a estrutura de distribuição
de renda do Brasil ao padrão italiano não é um objetivo impossível de ser alcançado. Obviamente
não se pode modificar substancialmente a estrutura de distribuição da renda de um dia para o
outro. Mas, dentro de um prazo
de 20 anos, por exemplo, é perfeitamente viável atingi-lo. O que é
preciso é começar já as mudanças
necessárias, até porque as tendências atuais caminham no sentido
de aumentar a desigualdade. E os
prazos para enfrentar a questão
social estão se encurtando dramaticamente.
O quadro acima ilustra a compatibilidade do processo redistributivo com o crescimento da renda, embora em ritmos diferentes,
de todos os segmentos da população. Dito de outra maneira, a redistribuição se dá sobre a renda
excedente gerada no período, supondo uma taxa média de crescimento da economia de 6%
anuais, próxima da média do período de 1920 a 1980, e uma taxa
de crescimento demográfico da
ordem de, em média, 1% ao ano
(*).
Essa projeção é extremamente
simplificada, mas nos permite ter
uma idéia da magnitude do esforço que se teria de realizar para alcançar um nível de homogeneização social compatível com o desenvolvimento já alcançado pelo
nosso país. O crescimento sustentado da economia joga um papel-chave neste processo. É ele que
permitirá uma maior ou menor
margem de manobra para avançar em direção a esse objetivo.
Mas tão importante quanto a
taxa de expansão do PIB é o padrão de crescimento que se adote.
Incorporar a perspectiva redistributivista supõe muito mais do
que adicionar ao atual modelo
econômico políticas compensatórias, que podem atenuar expressões localizadas da exclusão social, mas são incapazes de alterar
os mecanismos de reprodução e
aprofundamento da desigualdade e da pobreza dentro de prazos
compatíveis com a preservação
da nossa democracia e da nossa
integridade como nação.
Somente articulando o esforço
de crescimento e reinserção internacional ativa com políticas sólidas de emprego, com reformas
nas estruturas agrária e urbana,
com a ampliação e a reorientação
do gasto e dos investimentos públicos nos programas de infra-estrutura e sociais e com políticas
progressivas de rendas -que envolvem um conjunto de aspectos,
como o salário mínimo, a progressividade tributária, a desoneração dos alimentos básicos, a
universalização da Previdência
Social pública e dos serviços sociais básicos, entre outros, para
citar somente alguns instrumentos-chaves nesse processo- será
possível melhorar progressivamente a situação dos segmentos
de rendas médias e baixas, eliminar a fome e a miséria e assegurar
dignidade e cidadania aos milhões de brasileiros atualmente
discriminados ou excluídos dos
benefícios do progresso tecnológico.
(*) A desvalorização do real tende a deprimir o PIB em dólares, calculado de
acordo com a metodologia do BC (dólar
médio). Para as projeções, se assumiu o
valor do PIB em julho de 2002 de US$
450 bilhões e uma população de 170 milhões de habitantes. Em 2022, esses valores seriam de US$ 1,443 trilhão e 207,4
milhões, respectivamente.
Aloizio Mercadante, 48, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet:
www.mercadante.com.br
E-mail -
dep.mercadante@camara.gov.br
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