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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Economia fraca é causa da ganância infecciosa global
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Muitos imaginavam que
Alan Greenspan entraria
para a história como o mais hábil e confiável presidente de
banco central do capitalismo
global. Mas o seu longo reinado
à frente do Fed parece que vai ficar nos anais mais por sua criatividade na invenção de tiradas
verbais do que por sua capacidade de conduzir a economia
dos EUA a algum porto seguro.
Em 1996, Greenspan cunhou a
expressão "exuberância irracional". Tinha razão e não estava
só, embora a euforia cegasse a
maioria dos analistas e investidores. Foram necessários ainda
cerca de quatro anos até que a
bolha especulativa estourasse.
Greenspan criou outra imagem, aliás forte numa época de
doenças sem cura. Na semana
passada, disse que a maior economia do mundo foi tomada
pela "ganância infecciosa".
Como na imagem da exuberância, o foco de Greenspan é o
perfil psicológico do investidor.
A dinâmica econômica fica reduzida aos impulsos voláteis
que condicionam as decisões na
alta esfera das finanças. Pânico e
comportamento de manada associam-se a uma espécie de vertigem, ilusão de ótica ou desvio
de comportamento.
Ao jogar o holofote sobre essa
dimensão psicológica e comportamental, Greenspan continua preso à lógica dos mercados. Ou seja, mais informação e
padrões contábeis mais rígidos
seriam os antídotos para a infecção econômica, que seria em última análise de natureza moral.
O próprio sistema empresarial, a lógica da acumulação de
lucros pela concentração cada
vez maior de capital e renda em
menos mãos escapariam ilesos
do seu diagnóstico.
As estatísticas revelam um
quadro muito mais complexo,
que atinge o coração do sistema
econômico. É a falta de motores
para o crescimento econômico
que explica a crise e ao mesmo
tempo os desvios de comportamento, não o contrário.
É o "lado real" que cobra seu
preço às ilusões de acumulação
embaladas no "lado financeiro".
Por falar em infecção, o setor
farmacêutico ilustra bem a insuficiência da visão moralista da
crise econômica internacional.
Numa operação de mais de
US$ 53 bilhões, fundiram-se a
Pfizer (produtora do Viagra) e a
Pharmacia (que produz hormônios de crescimento). Juntas, faturam US$ 48 bilhões por ano.
A jogada mal esconde os sintomas de impotência e queda
desse setor industrial, que é um
dos mais globalizados. São manobras contábeis com toda a
aparência de legítimas para animar as expectativas dos investidores em aumento de lucros.
A febre de fusões e aquisições,
que supostamente criaria empresas ainda mais globais e lucrativas, foi inútil para reanimar
as empresas e serviu de terreno
fértil para a multiplicação de
truques financeiros, manipulações contábeis e esquemas fraudulentos. De 1994 a 1999, as atividades de fusão e aquisição
multiplicaram-se por sete, em
negócios avaliados em US$ 1,4
trilhão/ano. Mas as aquisições
(nos países em desenvolvimento, privatizações) não produzem
valores ou riqueza novos.
No caso do setor farmacêutico, em nenhuma hipótese as
empresas conseguiriam colocar
no mercado produtos novos na
velocidade necessária para tentar atender às expectativas de
rentabilidade dos investidores.
Essa é a contradição essencial:
o sistema produtivo real não
tem como evoluir e lucrar no ritmo imaginado pelos cálculos
feitos no mercado financeiro.
Fusões e aquisições, como
ilustra o setor farmacêutico, não
funcionam como antídoto ou
calmante para a doença contagiosa que Alan Greenspan reconhece no capitalismo global.
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