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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Mudar para crescer
ALOIZIO MERCADANTE
O avanço do processo de globalização da economia
mundial, dentro e como parte do
qual se generalizou o modelo de
abertura econômica e financeira
desregulada e de privatização,
criou uma dupla restrição ao desenvolvimento dos países periféricos. Por um lado, deslocou o eixo
da política econômica para a esfera monetário-financeira, que
passou a prevalecer sobre os aspectos reais da economia -o emprego, o investimento produtivo,
o crescimento-, expurgando da
agenda dos governos nacionais o
tema do desenvolvimento. Por
outro, ao fragilizar e tornar vulneráveis as economias periféricas,
subordinou o desenho das políticas econômicas nacionais aos critérios estabelecidos pelos centros
de decisão da grande finança internacional, inclusive pelas agências multilaterais que atuam em
sua representação.
Essas restrições deixaram pouco
espaço para o crescimento sustentável dos países periféricos e limitaram sua autonomia para a direção e gestão de suas economias.
A situação da Argentina e do
Uruguai, a crise venezuelana, os
impasses vividos pelo Equador e o
Peru e os movimentos recentes de
desestabilização da economia
brasileira são alguns exemplos
que ilustram a lógica e os resultados da aplicação desse modelo de
política econômica no caso da
América Latina.
Visto em perspectiva, esse processo, que é exacerbado pela ausência de um marco regulatório
internacional que previna e/ou limite os movimentos desestabilizadores do capital volátil, coloca
para os países periféricos um desafio. Se não forem capazes de
adotar, dentro de prazos relativamente curtos, as decisões que os
encaminhem para uma trajetória
de desenvolvimento e autonomia,
esses países correm o risco de perderem sua identidade e serem reduzidos à condição de espaços
nacionais de um mercado internacional controlado pelas grandes corporações multinacionais e
pelas grandes potências.
O Brasil é um dos países periféricos com maior capacidade de
enfrentar esse desafio.
Somos um dos três países no
mundo (os outros são a China e
os EUA) que têm um território
com mais de 3 milhões de km2
-signo de uma possivelmente
ampla e diversificada disponibilidade de recursos-, uma população superior a 150 milhões de habitantes -o que introduz a possibilidade de formação de um mercado interno potencialmente significativo- e um PIB maior que
US$ 500 bilhões -indicativo de
um provável grau mais avançado
de diversificação produtiva. Somos uma economia continental
que reúne todas as condições para criar uma sociedade desenvolvida e solidária, preservando
uma margem satisfatória de autonomia na gestão dos nossos recursos e do nosso desenvolvimento e na nossa inserção política e
econômica no cenário mundial.
Mas, para que possamos avançar nessa direção, é imprescindível romper as atuais amarras ao
nosso desenvolvimento, ligadas
ao caráter excludente de nossa organização social e a nossa dependência estrutural de recursos externos, que marcam, desde o início, nosso processo de formação
histórica. A retomada e sustentação do crescimento econômico jogam um papel chave para viabilizar esse objetivo, embora não sejam suficientes para assegurá-lo.
É preciso simultaneamente redistribuir a renda e a riqueza, fortalecer os vetores endógenos de sustentação do crescimento e mudar
qualitativamente nosso padrão
de inserção internacional.
O Brasil já teve taxas de crescimento impressionantes, indicativo de seu potencial e do grau em
que ele foi engessado pelo atual
modelo econômico. De 1900 a
1989 -incluindo os 18 primeiros
anos de crescimento relativamente lento do século passado e a "década perdida" dos anos 80-, a
economia brasileira cresceu em
média 6,21% por ano. Se tomamos somente os 35 anos que vão
do pós-guerra até 1979, a taxa
anual salta para 7,24%, um ritmo
extraordinário sob qualquer ponto de vista. Esse longo ciclo de expansão perdeu força nos anos 80,
quando o incremento do PIB foi
de apenas 2,93% anuais. Com o
neoliberalismo nos anos 90, a economia passou a alternar espasmos de crescimento com ciclos periódicos de estagnação, com o que
a taxa média de crescimento do
PIB de 1990 a 2001 caiu ainda
mais, situando-se em torno a
1,95%. Esse período de lento crescimento coincide com o agravamento da situação fiscal e do desequilíbrio externo da economia.
Em termos do aumento da renda média por habitante, o quadro
é igualmente esclarecedor. Enquanto no período 1945/79 o crescimento anual do PIB per capita
foi, em média, de 4,35%, entre
1980 e 2001, apesar da forte redução na taxa de crescimento da população vis-à-vis o período anterior, a taxa anual não passou de
0,59% e, nos 12 anos de vigência
da atual política econômica, caiu
para 0,51% ao ano. Com essa taxa de crescimento levaríamos
aproximadamente 282 anos para
atingir o atual nível de renda por
habitante de um país de desenvolvimento médio como a Espanha (US$ 14.960/ano).
Como sugerem alguns estudos,
se nos últimos 22 anos o país tivesse podido manter uma taxa de
crescimento similar à média dos
60 anos anteriores -e supondo
que a arrecadação de impostos e
contribuições crescera ao mesmo
ritmo do PIB-, hoje não teríamos nenhum problema na área
fiscal. Embora meramente ilustrativo, esse exemplo evidencia a
importância da retomada do
crescimento como alternativa para fazer face aos problemas atualmente existentes.
O modelo que aí está se mostrou
incapaz de promover um crescimento satisfatório da economia
mesmo quando as condições externas eram favoráveis. Com a
piora do cenário internacional,
sua continuidade aponta para a
regressão econômica e a crise social. Portanto mudá-lo é essencial
para a construção de um novo
projeto nacional de desenvolvimento, fundado em critérios de
solidariedade social e soberania,
que permita uma inserção afirmativa do Brasil no processo de
globalização.
Aloizio Mercadante, 48, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail - dep.mercadante@
camara.gov.br
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