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LUÍS NASSIF
O poeta clássico da MPB
A música popular brasileira contemporânea tem o
mais notável contingente de instrumentistas da história, cantores e cantoras de nível, compositores competentes e de estilo variado, mas falta alguma coisa
para explodir. A nova geração,
dos sons e dos ritmos variados,
produziu poucos letristas
maiúsculos. Tem alguns ótimos
letristas, mas em proporção
muito inferior aos compositores.
A consequência é uma enxurrada de boas melodias escoradas
em letras sofríveis.
E, no entanto, ouso dizer que,
na música popular cantada, a
letra talvez seja mais significativa que a melodia. Os grandes
clássicos da MPB sempre partiam de uma grande letra que
podia ser acompanhada ou não
por uma grande música. Mas a
letra sempre foi fundamental.
Historicamente, a MPB produziu grandes letristas, além
dessa mistura fantástica de
grandes letristas e compositores
simultâneos, como Noel Rosa,
Ari Barroso, Tom Jobim, Milton
Nascimento e, mais especificamente, Chico, Caetano e Gil.
Mas produziu grandes letristas individuais. Fora os clássicos
em atividade, como o incrível
Paulo César Pinheiro (um caso
único de qualidade e quantidade), Aldir Blanc, Hermilo Bello
de Carvalho e os compositores-letristas, há três letristas fundamentais na nossa música: Vinicius de Moraes, o grande autor
do pós-guerra, fazendo a transição para o romantismo moderno da bossa nova, Orestes Barbosa, o primeiro poeta do Rio
que se urbaniza, e Luiz Peixoto.
Foi sem paralelo a influência
de Vinicius na música brasileira, mas o letrista da minha predileção, o poeta com quem sempre me encantei foi Luiz Carlos
Peixoto de Castro, de nome artístico Luiz Peixoto, maior autor
da história dos teatros de revista, caricaturista famoso, carnavalesco, capista de livros, designer de carros (fez protótipo para
a fábrica de motocicleta Belfort,
de Paris) e letrista inovador.
Começou sua carreira como
caricaturista de "O Malho" de
Raul Pederneiras. Em 1911 estreou no teatro de revista, com
"Seiscentos e Seis", com Carlos
Bittencourt, musicado por Chiquinha Gonzaga.
Compôs 110 peças de revista,
como o "Abre Alas", com a mesma Chiquinha. Teve outro notável parceiro no teatro, o maestro Sá Pereira, algo ignorado
nos últimos anos, mas autor de
inúmeras peças e do imortal
"Chuá Chuá". Com Luiz Peixoto, Sá Pereira compôs uma das
músicas preferidas de minha
mãe, o "Casinha da Colina"
("Você sabe de onde eu venho /
de uma casinha que eu tenho /
fica à beira de um pomar").
Era boêmio militante. Seu
grupo era integrado pelo que de
melhor foi produzido pela intelectualidade boemia do Rio. Tinha Luiz Edmundo, Portinari,
Jaime Ovalle, Vasco Leitão da
Cunha. Mas a sua imortalização ocorreu na música, onde
acumulou parceiros, de Heckel
Tavares a Donga, de Custódio
Mesquita a Ari Barroso -com
quem formou uma das mais históricas parcerias da música.
Um de seus primeiros clássicos
foi "Ai, Ioiô". Henrique Voegeler havia composto a música,
mas a letra não acontecia. Começou com uma tentativa de
Cândido Costa, que não deu
certo. Freire Jr., autor de revistas
e da valsa "Revivendo o Passado", fez sua tentativa, que não
vingou. Coube a Luiz Peixoto
dar o toque final em um clássico
da música brasileira: "Ai iôiô /
Eu nasci pra sofrê / Fui oiá pra
você / Meu zoínho fecho...".
Os anos 20 foram marcados
pela influência da música interiorana, que resultou em uma
escola de composições seresteiras de primeira qualidade. "Ai,
Ioiô" pertence a essa escola, assim como outro clássico de Peixoto, "Sussuarana", de 1926,
("Faz três sumana / numa festa
de Santana / o Zezé Sussuarana
me chamou pra conversar...").
Com Heckel, Peixoto compôs
"Casa de Caboclo" e "Azulão".
A parceria com Ari Barroso
começou em 1929, mesma época
em que o compositor atuava
profissionalmente em Poços de
Caldas. É de 1932 um dos maiores clássicos da dupla, "Maria"
("Maria, o seu nome principia /
na palma da minha mão"). Dos
anos 30 é outro clássico, o "Por
Causa dessa Cabocla" ("À tarde
/ Quando de volta da serra /
Com os pés sujinhos de terra /
Vem a cabocla passar"). A relação de parceria é enorme e
abarca um longo período, dos
anos 30 aos anos 50, quando
ambos compõem "É Luxo Só".
Mas a música que sempre me
lembrará Luiz Peixoto foi composta em 1934, tendo como parceiro Ari Barroso e como musa
um personagem da vida contemporânea carioca, mas de
presença intemporal na literatura: a mulher no desvio, sem
nome, que nasceu gauche na vida, e cuja história começava "no
dia em que apareci no mundo /
juntou uma porção de vagabundo da orgia". Foi "Batucada da
Vida", das letras fundamentais
da discografia brasileira.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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