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LUÍS NASSIF
Os fãs mirins de Maria Rita
A Beatriz tem cinco anos
e meio e descobriu Maria
Rita meio por acaso. Quando a
mãe chegou com o CD em casa,
pediu para ouvir. A música começou a tocar e Bibi ficou literalmente hipnotizada. Cada
faixa era repetida dez, 15 vezes,
até o lado italiano da mãe berrar: "Beatriz, vira o disco!". E
aí eram mais 15 repetições da
faixa seguinte.
Durante uma semana, Bibi
só queria saber sobre Maria
Rita. Decorou todas as músicas, perguntou de sua vida,
soube que ela perdeu a mãe
ainda criança, ficou impressionada, perguntou sobre quem a
tinha criado e surpreendeu-se
ao saber que tinha sido o próprio pai: "Mas ele sabe fazer
direitinho, não faz rolo?", numa óbvia alusão à falta de jeito do seu pai.
Até preparou um bilhetinho
para Maria Rita, que escreveu
da sua própria cabeça e punho,
com uma letrinha redonda e
regras de pontuação que
aprendeu com a mãe. "Oi, sou
a Beatriz. Gosto muito de você,
tenho seu CD e seu DVD, fico o
dia inteiro escutando as suas
músicas. Já sei cantar todas as
suas músicas. Você é muito linda. Eu te amo muito!!! Eu tenho 5 anos."
É curioso esse processo que
junta ídolos e fãs mirins. Beatriz, assim como Dorinha e
Clarinha, adoram Rouge e
Sandy e Júnior. Mas adoram
Maria Rita também. Na idade
delas, eu passava horas na rede de casa, ouvindo Dilú Melo
cantar "Fiz a Cama na Varanda". E porque Dilú? Lá sei eu.
Poucos sabem hoje em dia
quem foi ela, uma cantora maranhense que eu achava que
era gaúcha. Mas sua voz me
hipnotizava, me fazia sonhar
acordado.
Cantores infantis
Na minha infância, ainda
não haviam se disseminado os
cantores infantis ou feitos para
crianças. Havia dois espanhóis, Mirasol e Joselito, intragáveis até para meus ouvidos
infantis e o disco do "Marcelino, Pão e Vinho", interpretado
por Pablito Calvo.
Hoje em dia, cantora infantil
é mais abundante que cantor
de churrascaria. Mesmo assim,
Maria Rita conseguiu cativar
Bibi, Dodó e Cacá. E os pais
das três.
Sua mãe, Elis Regina foi a referência musical máxima da
minha adolescência, não apenas a cantora excepcional,
com sua extraordinária espontaneidade nos primeiros anos
de carreira, mas a líder musical inconteste de uma geração
que tinha Chico Buarque, Caetano Velloso, Edu Lobo, Geraldo Vandré e Gilberto Gil.
Nos últimos anos de vida, porém, Elis se transformara. Tornara-se pesada, às vezes excessivamente técnica, às vezes excessivamente dramática. Como Robert Fischer no xadrez, e
Muhammad Ali no boxe, parece que se convertera em escrava do mito. Tinha medo de errar, de decepcionar, de comprometer o mito.
Pouco antes de morrer, lembro-me de um programa de televisão em que Elis fazia um
contracanto com Gal Costa. A
baiana estava linda, no auge,
a voz camaleônica ainda não
se estratificara nesse timbre
metálico que a aprisionou nos
últimos anos e do qual há de se
libertar, se Deus nasceu na Bahia. Mas Elis era Elis. E, no entanto, estava inibida, presa, temerosa de colocar em risco o
mito Elis.
Mas essa Maria Rita... Admito que não assisti nenhum
show ao vivo. Tentei inúmeras
vezes no Supremo, antes de ela
se tornar estrela, e nos shows
posteriores, depois que estrelou. Tudo lotado. Quem assistiu, se deslumbrou. A mesma
espontaneidade inicial da
mãe, e uma simpatia contagiante de menina de bem com
a vida. Talvez Maria Rita tenha herdado o talento de palco
e a interpretação da mãe, o refinamento e o estilo tranquilo e
a calma madura do pai César
Camargo Mariano, que libertou o piano brasileiro do formato de trio jazzístico que o tinha aprisionado no final dos
anos 60.
O que sei é que está começando no nível que sua mãe
atingiu no seu apogeu. E a
emoção que pegou de pronto
todos os da minha geração que
a assistiram na televisão, não
foi apenas pelo renascimento
da técnica.
A morte de Elis foi uma derrota para todos nós. A maneira
como foi politicamente explorada por algumas revistas ligadas ao regime militar, machucou muita gente. De certa forma, Maria Rita é o resgate, a
revanche da minha geração, e
o encantamento da geração de
Bibi.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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