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PORTA GIRATÓRIA
Diretores de instituições tomam decisões que podem gerar receitas milionárias a empresas que depois os acolhem
Cargos decidem destino de bilhões de reais
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ocupar alguns cargos-chave no
governo, como no Banco Central,
no Banco do Brasil e em agências
reguladoras, não significa apenas
um trampolim para eventual carreira de sucesso na iniciativa privada. Obriga também o responsável a decidir sobre o destino de bilhões de reais na economia, causando perdas ou lucros para bancos, empresas e governo.
Em janeiro de 1999, a taxa básica
de juros (Selic) estava em 25% ao
ano. Em março, subiu para 45%.
A alta foi determinada pelos então
oito integrantes do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC
e resultou numa elevação da parcela da dívida pública corrigida
pelos juros, em apenas três meses,
de 30%. De R$ 99,46 bilhões subiu
para R$ 130,5 bilhões em junho.
Naquele mesmo ano, a receita
dos bancos com títulos (sobretudo papéis do Tesouro Nacional)
somou R$ 54,041 bilhões, o que
representou 36% de toda a receita
registrada pelas instituições financeiras no período, segundo levantamento da ABM Consulting.
O ganho com títulos propiciado
aos bancos é influenciado diretamente pela decisão dos integrantes do Copom -cujos salários
mensais são de R$ 8.362,80.
Quanto mais altos os juros básicos definidos pelo BC, maiores os
retornos com títulos públicos.
A dívida do país vai aumentando, mas os diretores e presidentes
do BC vão saindo.
Quatro dos oito integrantes do
Copom de 1999 já deixaram o BC
e trabalham no mercado financeiro. Entre eles está Armínio Fraga,
que presidia a instituição. Abriu
sua própria gestora de recursos e
também ocupa cadeira no Conselho de Administração do Unibanco, presidido pelo ex-ministro da
Fazenda Pedro Malan.
Outros dois integrantes do Copom de 1999 estão próximos a Armínio. Luiz Fernando Figueiredo
(ex-diretor de Política Monetária)
é sócio de Armínio na Gávea Investimentos. Daniel Gleizer (Assuntos Internacionais) é diretor-executivo do Unibanco. O quarto
ex-integrante do Copom, Sérgio
Werlang (Política Econômica), é
hoje diretor-executivo do Itaú.
Em 1999, a receita do Itaú com
títulos foi de R$ 3,159 bilhões. A
do Unibanco, R$ 1,448 bilhão.
O mercado financeiro e o BC
usam uma via de mão dupla. No
atual Copom estão ex-executivos
do Unibanco e do BankBoston.
Alexandre Schwartsman (Assuntos Internacionais) foi economista-chefe do Unibanco. Hoje no
comando do BC, Henrique Meirelles presidiu o BankBoston no
Brasil e nos Estados Unidos.
Em fevereiro do ano passado, já
com Meirelles no BC, a dívida pública em títulos do Tesouro corrigida pela Selic estava em R$
381,234 bilhões. Naquele mês, o
BC elevou a taxa básica em um
ponto percentual, para 26,5%. A
Selic ficou nesse nível por quatro
meses, o que correspondeu a uma
elevação dos gastos públicos com
juros de cerca de R$ 1,25 bilhão.
Em 2003, o Unibanco teve receita de R$ 2,538 bilhões com títulos.
O BankBoston, R$ 386 milhões.
Hoje, o estoque da dívida em títulos atrelada à Selic está em R$
420,9 bilhões, dos quais R$ 181,8
bilhões nas carteiras das instituições financeiras. Se o BC resolvesse aumentar os juros em um ponto percentual, supondo que fossem mantidos nesse nível por um
ano e sem que houvesse resgate
da dívida corrigida pela taxa básica no período, isso corresponderia a um aumento da dívida pública em R$ 4,2 bilhões.
Além do impacto na dívida pública, as ações de política monetária do BC podem provocar também prejuízos para a própria instituição. Em maio, por exemplo, a
alta do dólar levou o BC a ter perdas de R$ 2,866 bilhões em operações realizadas no mercado futuro, chamadas de "swap". Nessas
transações, os resultados negativos para o BC significam ganhos
para os bancos privados e empresas. Por esse instrumento, o BC se
compromete a vender dólar futuro aos agentes de mercado.
Banco do Brasil
No Banco do Brasil, maior instituição financeira do país, as decisões não têm reflexos tão significativos para a economia quanto o
BC, mas também podem representar grandes perdas para o governo. Hoje, a carteira de crédito
do banco está em aproximadamente R$ 83 bilhões. No passado,
o BB amargou enormes prejuízos,
causados, entre outros, por operações de crédito malfeitas.
Em 1995, o rombo foi de R$
4,253 bilhões. No ano seguinte, o
prejuízo subiu para R$ 7,525 bilhões, o que levou o Tesouro a injetar na instituição R$ 8 bilhões.
BNDES e agências
As decisões do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) e das agências reguladoras têm reflexo direto na economia. Pelo balanço de
2002, o BNDES tinha patrimônio
de R$ 151 bilhões. No mesmo ano,
realizou operações de crédito
num valor total de R$ 124,5 bilhões. É a maior fonte de recursos
para investimentos no país.
O governo não divulga os salários dos diretores e do presidente
do BNDES. Quem passa pelos
cargos sai com experiência para
dar conselhos a empresas em dificuldades. Nos últimos dez anos,
vários ex-presidentes do banco
passaram a dar consultoria.
Nas agências reguladoras, o fenômeno é recente, pois elas têm
menos de dez anos. Mas já é possível notar um padrão de comportamento semelhante ao que se
vê no BC e em outros órgãos.
Os diretores das agências têm,
em princípio, pouca razão para
aceitar os cargos. O máximo que
recebem por mês é R$ 8.524,79.
Mas acumulam muito poder e
saem com o passe valorizado.
Tome-se o caso da Anatel
(Agência Nacional de Telecomunicações), criada em 1997. Seu
Conselho Diretor tem cinco integrantes escolhidos pelo presidente da República e aprovados pelo
Senado. Essas cinco pessoas -salário máximo de R$ 8.524,79-
decidem sobre um mercado que
teve receita de R$ 71,3 bilhões no
ano passado -entre operadoras
de telefones fixos e celulares.
Até o final do ano, os diretores
da Anatel decidirão sobre os termos da licitação para o SCD (Serviço de Comunicações Digitais).
A idéia é integrar digitalmente em
cinco anos cerca de 180 mil escolas públicas de ensino fundamental, médio e profissionalizante.
A Anatel já tem seis ex-diretores. Antes de entrar para a agência, todos eram funcionários públicos ou professores universitários. Só um continua como professor. Os outros cinco trabalham
em posições de destaque no mercado de telecomunicações.
Renato Guerreiro, primeiro
presidente da Anatel, criou a
Guerreiro Teleconsult. Já prestou
serviços, entre outros, para as gigantes Brasil Telecom e Telemar.
Ainda há poucos casos concretos nas agências reguladoras, mas
quase sempre vão na direção de
que não existe freio na maneira
como esses órgãos podem servir
de trampolim nas carreiras.
Na Aneel (Agência Nacional de
Energia Elétrica), por exemplo, só
há dois ex-diretores. Ambos são
professores universitários, mas
também prestam consultoria ao
setor privado. É um mercado
próspero: em 2003, as empresas
distribuidoras de energia faturaram R$ 66 bilhões.
(FERNANDO RODRIGUES e LEONARDO SOUZA)
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