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LUÍS NASSIF
A última noite de Vargas
Durante anos de convivência, o embaixador Walther
Moreira Salles tinha uma preocupação especial com sua biografia.
Queria deixar registradas as impressões sobre os principais homens públicos com os quais conviveu. Eram aulas sucessivas sobre o país, da parte de quem, dos
anos 30 aos 90, testemunhara todos os episódios da história com
olhos contemporâneos.
Indagado sobre qual o maior
brasileiro que conhecera, nem vacilava: Getúlio Vargas. O pensamento começa a voar. Dr. Walther parece se esquecer da minha
presença ali. Agora, está com San
Thiago Dantas em um carro, ouvindo a rádio Globo, quando a
programação é interrompida pela "notícia extraordinária": Vargas havia se suicidado.
Imediatamente San Thiago ordenou ao chofer que rumasse para o Palácio do Catete. Eram
20h30 quando ambos entraram
no Palácio. A essa altura as rádios
informavam que "O Globo" e a
"Tribuna da Imprensa" estavam
cercados por populares enfurecidos.
San Thiago rumou para o "O
Globo", cercado por uma multidão que uivava de dor e ódio.
Walther subiu para o último andar do Palácio. Não chegou a entrar no quarto onde Vargas se
suicidara. O Palácio era grande e
nele contrastavam fortemente
uma confusão de pessoas correndo de um lado para o outro e a
sensação de vazio, de solidão.
Mais tarde, começaram a chegar pessoas. Juscelino foi o único
governador a se apresentar, com
Amaral Peixoto, casado com Alzira, a filha predileta de Vargas.
Walther deixou o Palácio por
algumas horas, foi à sua casa e retornou logo depois. Cumprimentou Alzira e Amaral, não conseguiu ver dona Darcy e permaneceu no velório até a hora da partida, dividindo um banquinho no
primeiro andar, com Oswaldo
Aranha, em longas reflexões sobre o processo de isolamento de
Vargas.
As suspeitas de conspiração internacional vazavam por todos os
poros da República e impregnavam as paredes do Palácio. Aranha reiterava acusações sobre a
queda nos preços do café, atribuindo-a a pressões externas.
Conhecedor do mercado, Walther não via fundamento em suas
acusações. O Brasil havia montado uma manobra especulativa
que logrou elevar os preços do café a 86 centavos, mas não conseguiu sustentá-los. A operação foi
estimulada pelo governo e financiada pelo Banco do Brasil. A Bolsa de Nova York abriu investigações sobre as operações brasileiras, que ajudaram a precipitar a
queda das cotações.
Aranha acreditava em conspiração internacional e em disco
voador. Às vezes o cansava com
aquela conversa. Em certo momento, Walther nem mais o ouvia. Seu pensamento, agora, estava no Palácio Rio Negro, em Petrópolis, onde, no último verão
antes da tragédia, teve o último
encontro com Vargas.
O mais polido dos homens que
conhecera conservava ainda seu
senso de humor e a risada inigualável. Mas demonstrava certa melancolia e solidão. Alguns meses
antes, quando Walther lhe pediu
que o dispensasse das funções de
embaixador, Vargas comentou a
respeito de um deputado governista, que o acusara de ser "mais
um embaixador americano em
Washington". Walther não quis
saber quem era.
"Embaixador, o senhor não
pergunta quem é o deputado?",
estranhou Vargas.
"Eu já sei, porque tivemos incidente semelhante no Itamaraty."
Era Euvaldo Lodi, presidente da
Confederação Nacional da Indústria.
"Mas o senhor sabe qual foi minha resposta?"
"Não."
" Eu disse a ele que tinha a Câmara para denunciar, não a
mim."
E soltou uma gargalhada, jogando a cabeça para trás. Depois,
convidou Walther para jantar. O
embaixador disse que era uma
grande honra, mas pedia que telefonasse para uma casa para a
qual tinha um compromisso
agendado.
Vargas interrompeu:
"Então meu convite não é mais
válido. O senhor é moço, precisa
se divertir no convívio de gente
agradável."
"Mas gostaria de jantar consigo."
"Não mais."
Desceram no elevador, saíram
pelo Salão de Despachos, Na alameda, entre o Palácio de Rezende, Vargas pôs o chapéu e cruzou
os braços atrás das costas:
"Boa noite."
E atravessou sozinho para seu
jantar solitário.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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