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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A questão do desemprego
ALOIZIO MERCADANTE
A implantação no Brasil
das políticas de liberalização
comercial e financeira, de privatização e de desregulamentação da
economia, iniciada no governo
Collor e acelerada na gestão FHC,
foi acompanhada por mudanças
na estrutura e na dinâmica do
mercado de trabalho que transformaram o desemprego em um dos
problemas centrais da sociedade
brasileira contemporânea. E, para
quem anda pela rua e conversa
com a população, como faço, o desemprego não é um número abstrato; pelo contrário, tem cara, tem
nome, significa redução da renda
da família, perda de auto-estima e
de cidadania, degradação humana e desagregação familiar.
Desde o pós-Guerra até a crise da
década de 80, as tendências dominantes, associadas ao modelo de
industrialização substitutiva,
eram encaminhadas no sentido do
crescimento do emprego e da formalização do mercado de trabalho. O novo padrão de emprego
que se perfila nos anos 90, especialmente em sua segunda metade, representa uma inflexão nessa trajetória: as tendências centrais agora
são o aumento do desemprego e a
precarização crescente das condições de trabalho. Embora sejam
parciais e fragmentários, os dados
disponíveis são eloquentes.
Os níveis de desemprego prevalecentes na atualidade -8,2% em
julho passado, em média, no conjunto das seis regiões metropolitanas cobertas pelas pesquisas do IBGE- só são comparáveis aos verificados durante o auge da recessão
do início dos anos 80, quando o
PIB chegou a cair 4,25% (1981).
Note-se que a metodologia utilizada pelo IBGE tende a subestimar o
desemprego efetivo (as taxas de desemprego aberto captadas pelo
Dieese são 30% a 40% superiores;
além disso, o Dieese registra também o desemprego oculto e o desalento, fazendo com o que sua taxa
de desemprego global seja quase o
dobro das estimativas do IBGE).
Mas, ainda assim, é clara a tendência à elevação do patamar de
desemprego, que, de uma média
abaixo de 4% na segunda metade
dos anos 80, salta para 5% entre
1990 e 1995 e para 7,5% nos últimos sete anos. Ou seja, o crescimento do desemprego é paralelo à
intensificação das políticas neoliberais, que engessaram o crescimento econômico, desestruturaram a produção nacional e destruíram ou transferiram para o exterior milhares de postos de trabalho.
Os efeitos dessas políticas se refletem também na evolução de algumas variáveis consideradas nas
pesquisas mensais do IBGE. Entre
julho de 1991 e julho de 2002, por
exemplo, a população economicamente ativa (PEA) das regiões metropolitanas aumentou 22%, enquanto a ocupação cresceu 17% e a
população desocupada aumentou
144%.
Outros estudos tendem a confirmar o alto nível alcançado pelo desemprego nos anos recentes. O
Censo de 2000 detectou um contingente de 11,7 milhões de trabalhadores desempregados, o que equivaleria a uma taxa de desemprego
de 14,6% (supondo uma PEA em
torno de 80 milhões de pessoas).
Pesquisa recentemente realizada
por instituição privada, com uma
metodologia centrada nos domicílios, chegou a resultados ainda
mais espantosos: 39% dos domicílios brasileiros abrigariam famílias
com problemas de emprego, o que
significa que as pessoas maiores de
16 anos sem ocupação fixa seriam
aproximadamente 28,7 milhões.
Como 51% desse total procura trabalho e não faz bicos (o que, na
metodologia do IBGE, caracteriza
a situação de desemprego), teríamos cerca de 14,6 milhões de desempregados, uma taxa de desemprego aberto de 18,3%. Comparem-se essas cifras com os 3,5 milhões de desempregados que, estima-se, existiriam em 1994.
Paralelamente aumentou o tempo de procura de emprego -de
14,3 semanas em julho de 1991 para 24,2 semanas em julho de
2002-, segundo o IBGE. Outros
estudos indicam que o tempo médio durante o qual o trabalhador
permanece desempregado atinge
atualmente 51 semanas.
A precarização das condições de
emprego através de diversos mecanismos -como a informalização
do mercado de trabalho, a terceirização de atividades anteriormente
desenvolvidas com pessoal próprio,
o aumento não compensado da
jornada de trabalho, a troca de direitos trabalhistas pela manutenção do emprego- avançou em velocidade similar. Até fins da década de 80, o número de trabalhadores com carteira assinada, embora
com oscilações, tendia a aumentar
em termos absolutos. Na década
de 90, essa trajetória se inverteu,
com o que o emprego formal, que
em 1991 representava 53,1% do total de ocupados, caiu para 44,6%
em 2002. Em contrapartida, o número de empregados sem carteira
assinada aumentou, em termos
absolutos, 54,2% no mesmo período. E aumentou também o número de trabalhadores autônomos.
Em resumo, além do desemprego
aberto, aumentou também o peso
dos segmentos que abrigam ocupações de baixa produtividade e remuneração e sem proteção social,
que cresceram muito mais rapidamente do que os empregos de boa
qualidade e a ocupação total. Em
conjunto, os trabalhadores sem
carteira e por conta própria representam hoje 49,9% do total de ocupados (contra 41,3% em 1991).
Nessas circunstâncias, é muito
difícil entender de que maneira a
continuidade da atual política econômica, exigida pelo "mercado financeiro" e seus agentes políticos,
poderia ser compatível com uma
evolução positiva do mercado de
trabalho. Superar os problemas de
desemprego e precarização supõe
não só retomar o crescimento mas
também incorporar o emprego e a
inclusão social como critérios essenciais da política econômica e reforçar o papel do Estado no planejamento e na implementação de
políticas e investimentos direcionados especificamente a essa finalidade. Ora, tudo isso é completamente contrário à orientação do
atual modelo econômico.
Como é óbvio, não há soluções
mágicas para o problema do emprego. O próximo governo herdará
fortes restrições nas áreas fiscal e
externa, que constituem um sério
entrave para que o país possa expandir sua capacidade de geração
de empregos e ampliar a proteção
social aos trabalhadores. Apesar
disso, é possível avançar progressivamente nessa direção. A mudança da política econômica vigente é
o ponto de partida essencial para
desencadear esse processo e, em
uma perspectiva de longo prazo,
garantir a todos os brasileiros o direito ao trabalho e a uma vida digna.
Aloizio Mercadante, 48, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet:
www.mercadante.com.br
E-mail -
dep.mercadante@camara.gov.br
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