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LUÍS NASSIF
O grande capitão
Os de minha geração, e
aqueles um pouco mais velhos, sustentam que ele talvez tenha sido o maior zagueiro da
história. E dizem "talvez" apenas porque não assistiram a Domingos da Guia. As jogadas do
"divino" da Guia só chegaram
aos contemporâneos pelos relatos embasbacados dos que lhe
assistiram.
Mas quem chegou depois de
1950 jamais duvidou: Mauro
Ramos de Oliveira foi o maior
zagueiro da segunda metade da
década. Em campo, era de uma
elegância a toda prova, em uma
posição em que os jogadores se
notabilizavam pelos chutões e
caneladas. Atuava limpo, tirava
a bola sem tocar no adversário,
era imbatível nas bolas altas e
não ficou registro de um único
jogo que tenha perdido a cabeça.
Na minha infância, Mauro
ocupava uma posição mítica e,
ao mesmo tempo, familiar: era
poçoscaldense. Foi reserva de Pinheiro na Copa de 1954, que eu
não tive idade para acompanhar. Foi reserva de Bellini na de
1958. A seleção foi se concentrar
em Poços de Caldas, e meu pai,
diretor de futebol da Caldense,
me levou e à minha irmã Regina
ao campo de aviação, para recepcionar os jogadores.
Lembro-me de Feola descendo
do avião, de Gilmar, Mauro e
Bellini, imensos. E da surra que
levei da minha mãe por desmanchar o rabo-de-cavalo da Regina. Para meu azar, todos os jornais e revistas do país registraram a foto da Regina, toda moreninha e bonitinha, ao lado de
Gilmar e de Mauro. Cada publicação que chegava em casa me
custava um safanão da dona Tereza, à vista da Regina sem o rabo-de-cavalo. E seu Oscar levava
a segunda bronca, por não ter
conseguido acertar o cabelo depois que fiz o estrago.
As histórias sobre Mauro corriam região. Contava-se a vez
em que o São Paulo foi jogar em
São João da Boa Vista, contra o
Sanjoanense, e Mauro, que saíra
de lá para o São Paulo, foi vaiado. Contam, e não tenho por que
duvidar, que Canhoteiro, o Garrincha que não aconteceu, ficou
indignado, cochichou com Mauro. Depois, saiu driblando todo o
mundo e, na área, entregou por
duas vezes a bola para Mauro
marcar.
Conheci Mauro nos vestiários
da Caldense, naquele ano de
1958. E estava no palanque com
ele, quando a seleção foi comemorar a vitória em Poços, e o palanque em que estávamos, meu
pai, eu, e os jogadores, caiu, matando um menino.
Mas a primeira conversa com
ele foi apenas em 1972, quando
fui incumbido de entrevistar Pelé na chácara Nicolau Moran.
Não tive a menor chance. Aí fui
falar com Mauro, que era técnico do Santos, e me apresentei como seu conterrâneo. Perguntou
quem era meu pai. Quando eu
disse, Mauro me contou que fora
descoberto para o futebol pelo
seu Oscar. Inicialmente no time
amador, patrocinado por sua
farmácia. Depois, contratado
para a Caldense, a "Veterana",
ou "um clube, um orgulho, uma
tradição", os dois slogans que o
seu Oscar cunhou para a Caldense, da mesma lavra que criara para a sua Farmácia Central,
"salva sempre".
Depois disso, encontrei o Mauro poucos anos atrás, quando
Poços resolveu inaugurar uma
estátua em sua homenagem. O
grande capitão já estava baqueado. Não conseguira superar
a morte da mulher. No palanque, que aguentou firme, estavam alguns bicampeões da campanha heróica de 1962. Mesmo
doente, Mauro continuava elegante, empertigado, bonito.
Depois disso, algumas vezes
combinamos de nos encontrar,
por intermédio do Bolão, amigo
de infância de Mauro e afilhado
do meu pai. Mas a vida acaba
adiando os encontros.
De qualquer forma, para
aquela Poços dos anos 60, Mauro foi a referência maior, como
foi para o Brasil daquele período. Em uma época em que a malícia, a malandragem e o levar
vantagem eram maldição, Mauro era o símbolo máximo da ética com competência em campo.
Chamavam-no de Marta Rocha, e não era de modo depreciativo, por sua beleza, sua elegância em campo e por sua determinação, sem atropelar, sem ser
marqueteiro, refletindo bem o
modo de ser daqueles meus conterrâneos, em uma região moldada pela tolerância e hospitalidade mineira, pela simplicidade
e espírito de luta dos imigrantes.
Tornou-se simbólica até a maneira como conquistou o posto
de titular da seleção de 1962, desbancando o também mítico Bellini. Simplesmente chegou no
técnico Aymoré Moreira e ponderou. Em 1958 Bellini estava em
melhor forma e mereceu ser titular. Em 1962, achava justo que
ele fosse o titular. Aymoré concordou. E Mauro se tornou o segundo brasileiro a levantar o caneco de campeão do mundo.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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