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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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CURTO-CIRCUITO

Setor atravessa crise desde 99; desvalorização cambial, apagão e efeitos da privatização minam empresas

Balanços das elétricas devem continuar no vermelho

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os balanços de 2002 das principais empresas do setor elétrico deverão mostrar prejuízos, mais uma vez, segundo projeções de analistas de mercado. As empresas começarão a divulgar seus resultados no próximo mês, estampando a crise que o setor atravessa desde 1999.
Os analistas do Unibanco projetaram os resultados de nove empresas, distribuidoras e geradoras, com ações em Bolsa. Dessas, seis devem ter prejuízo: Eletropaulo (R$ 480 milhões), Light (R$ 638 milhões), Cemig (R$ 1,138 bilhão) Celesc (R$ 56 milhões), Tractbel (R$ 296 milhões) e Cesp (R$ 3,286 bilhões).
Três empresas registrarão a última linha do balanço em azul, embora pálido. São elas: Coelce (R$ 77 milhões), Copel (R$ 81 milhões) e Emae (R$ 63 milhões).
Segundo Sérgio Tamashiro, analista do Unibanco, os prejuízos só devem começar a virar lucro neste ano.
O que deve reanimar o setor neste ano é um leve aumento do consumo, estimado em 2%, e os reajustes tarifários, que ficarão entre 10% e 30%.
A partir do ano que vem, as projeções são de crescimento anual de 4,5% da demanda de energia, o que dará novo gás às empresas. "As exceções serão a Cesp e a Light", diz Tamashiro.
A Light continuará no vermelho por mais cinco anos. "As projeções mostram que a empresa só deverá ter lucro a partir de 2008", afirma Tamashiro.
O alto endividamento e um índice de perda de energia em torno de 20%, devido aos roubos praticados por meio de ligações clandestinas, tornam a empresa um caso à parte.
Já a Cesp continuará no negativo, pressionada pelo pesado endividamento, mas reduzirá o prejuízo para R$ 1,899 bilhão neste ano e para R$ 863 milhões em 2004.

Origens
As dificuldades em que mergulharam nos últimos anos as gigantes do setor, como as distribuidoras Eletropaulo e Light e geradoras como a Cesp, devem ser analisadas à luz da história do setor.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, na base da crise atual está o modelo de privatização que levou ao endividamento das empresas, não estimulou novos investimentos e desembocou no racionamento de energia e na queda da qualidade dos serviços. Nas estatais, a raiz da crise está no seu uso para absorver parte da dívida externa do governo e a contenção das tarifas, no passado.
"O modelo de privatização desenhado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) induziu as distribuidoras à situação atual de inadimplência e desequilíbrio financeiro", diz James Correia, diretor da DZ Negócios com Energia.
O modelo desenhado pelo BNDES, segundo ele, visava obter o maior retorno possível nos leilões de privatização e, para isso, deixou de incluir cláusulas que obrigassem as empresas a investir na expansão e na garantia de continuidade dos serviços.
"Se as distribuidoras fossem obrigadas a investir após a privatização, isso teria de entrar no fluxo de caixa descontado, o que reduziria o valor da empresa", observa Correia. O fluxo de caixa descontado (que mede a capacidade de gerar receitas) foi o método de avaliação das empresas usado pelo governo para fixar seu preço mínimo.
Do ponto de vista do governo, a privatização foi um sucesso: repassou US$ 7,5 bilhões de dívidas das antigas estatais aos novos controladores e carreou para os cofres públicos (federal e estaduais) US$ 22,2 bilhões, segundo o BNDES. Desse total, 48% vieram do próprio banco, via empréstimos, e de fundos de pensão.
O restante foi recurso externo, dos controladores. Esses investimentos foram feitos por meio de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), que tinha capital simbólico e era controlada por empresas criadas em paraísos fiscais pelos grupos internacionais que participaram da privatização.
"Para realizar a compra, a SPE contraía empréstimos com a própria matriz e com o BNDES", diz Carlos Kirchner, diretor do Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico).
Segundo ele, com a aprovação da Aneel, essas SPEs acabaram incorporadas pelas empresas privatizadas, que assumiram, assim, as dívidas com sua privatização e aquelas transferidas pela estatal ao novo proprietário. Com as desvalorizações do real em 1999 e em 2002, as dívidas explodiram, desequilibrando as empresas.



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