|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ativos dados como garantia em empréstimo não cobrem débito e, para obter outros, ações levariam anos
BNDES terá canseira para processar a AES
JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
Um longo emaranhado jurídico
espera o BNDES se decidir executar a dívida de US$ 1,2 bilhão assumida pela AES Corporation,
controladora da Eletropaulo. De
antemão, especialistas apontam
uma evidência: o banco não pode
reivindicar, de imediato na Justiça, o controle de outros ativos da
AES no Brasil porque a única garantia incluída no contrato foram
ações da própria Eletropaulo.
Dia 31 de janeiro passado, a Eletropaulo entrou em ""default técnico" ao não pagar parcela de US$
85 milhões, que se remete a um
contrato de financiamento feito
pelo BNDES para que os norte-americanos adquirissem ações
ordinárias da Eletropaulo. O
acordo prevê que, no caso de alguma parcela da dívida de US$ 1,2
bilhão não ser paga, o BNDES pode reivindicar o direito sobre todos os papéis que a AES detém na
Eletropaulo -70% do capital.
O que deveria ser uma enorme
garantia para o banco mostra-se
hoje o contrário: na privatização
em 1998, a compradora da Eletropaulo -a Light, que tinha como
controladores os franceses da
EDF e os americanos da AES-
pagou R$ 2,026 bilhões, equivalente, na época a US$ 1,776 bilhão.
Decorridos quase cinco anos, o
valor de mercado da Eletropaulo
não ultrapassa, segundo o analista
Sérgio Tamashiro, do Unibanco,
R$ 939 milhões (US$ 260 milhões). E nessa avaliação estão denominadas todas as ações da empresa -não só o capital da AES.
Assim, mesmo que execute a dívida e assuma a Eletropaulo, se fizesse um leilão dessas ações o
BNDES não arrecadaria um quinto daquilo que a AES lhe deve.
Para tomar o controle da Eletropaulo, em tese há dois caminhos
que o banco poderia seguir: executar a dívida de forma administrativa ou por via judicial. No primeiro, mais brando, o banco notifica o credor da existência da dívida e exige seu pagamento. Este a
reconhece, admite que não tem
como pagar e entrega o objeto de
garantia -as ações.
Na segunda hipótese, o banco
teria que recorrer à Justiça Federal
(uma vez que o BNDES, credor,
pertence à União). Provada, com
o contrato, a existência da dívida,
o juiz citaria a empresa a pagá-la
em 24 horas. Não feito o pagamento, o juiz concederia liminar
transferindo as ações para o credor. O devedor poderia recorrer,
contestando a decisão ou mesmo
exigir revisão de cálculos, como
do valor corrigido da dívida.
No caso do BNDES, a ação de
execução deveria ser movida contra a AES Elpa e a Transgás, empresas constituídas no Brasil para
controlar a Eletropaulo. Esse é o
primeiro ponto do emaranhado.
A AES Elpa tem 88,2% de seu
capital em poder de braços da
AES Corp com sedes em paraísos
fiscais no Caribe (Ilhas Cayman e
Ilhas Virgens). A AES Elpa não
detém nenhum outro ativo ou
participação no Brasil -exceto
os 31% do capital da Eletropaulo.
De sua parte, a Transgás é controlada pela Transgas 1 Ltd. e a
Transgas 2 Ltd., ambas com sede
nas Ilhas Cayman -essas, por
sua vez, são submetidas a holdings ligadas à AES Corporation.
Pelo organograma da Eletropaulo, a Transgás também tem não
mais ativos no Brasil, exceto 39%
da distribuidora. ""O que a AES fez
foi montar uma estrutura para
proteger os ativos da matriz", comenta Darley Ferreira Oliveira,
sócio do escritório de advocacia
Araújo, Fontes e Szymonowicz.
Após executar AES Elpa e
Transgás, que, lembre-se, controlam somente a Eletropaulo,
-que não cobre a dívida-, o
BNDES teria que executar os controladores dessas empresas. Ou
seja, mover ações na Justiça dos
paraísos fiscais. A sequência de
ações e processos se prolongaria
até chegar à matriz. ""É um processo que pode se arrastar por anos.
Por isso que a melhor saída é a negociada", completa Oliveira.
Segundo advogados, o BNDES
não poderia exigir de forma direta
outros ativos da AES no Brasil, como a AES Tietê, o único empreendimento dos americanos no país
em boa situação financeira.
""Se a AES Tietê não tem relação
direta no contrato de financiamento, o BNDES nada pode fazer.
Terá que seguir toda a escala de
controladores de forma vertical",
explica Luiz Venturi, do escritório
Begoiey e Venturi Associados,
que participou do processo de auditoria da Eletropaulo a serviço da
Enron -uma das concorrentes.
Para piorar, segundo analistas
de mercado, ao reestruturar sua
dívida de US$ 2,1 bilhões com um
grupo de bancos americanos, a
matriz ofereceu entre as garantias
a AES Tietê. ""O BNDES não terá
prioridade. Quando fizeram a
reestruturação, os bancos sabiam
que a Eletropaulo tinha sido dada
como garantia de empréstimo e
exigiram outra. O BNDES poderia, quando o processo chegasse
aos EUA, abrir uma ação de quebra da AES. Se a falência fosse decretada, a partir da massa falida
disputaria sua parte, junto com os
outros credores", diz Venturi.
Texto Anterior: Curto-circuito: Balanços das elétricas devem continuar no vermelho Próximo Texto: BNDES cobra R$ 115 mi do governo do Espírito Santo Índice
|