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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A opção pelo desenvolvimento
LUCIANO COUTINHO
A subida da taxa de juros e o
aperto do crédito promovidos pelo Banco Central nesta semana, sob a pressão das tensões
inflacionárias em curso e da expectativa de dificuldades adicionais em decorrência da provável
guerra no Iraque, colocam mais
uma vez a nu o quadro de grave
desarranjo macroeconômico e de
vulnerabilidade externa herdado
do governo Fernando Henrique
Cardoso. Não resisto a comentar,
de passagem, a jactância perfeitamente idiota de alguns líderes tucanos que louvam a opção do governo Lula de dar continuidade à
política anterior, como se fora sinônimo de virtude. O dr. Palocci e
a equipe do BC têm de arrochar
as políticas fiscal e monetária
porque não dispõem de alternativa. A precariedade da situação
cambial-inflacionária e a dependência que o Estado brasileiro
tem dos mercados doméstico e
mundial de capitais é que o impõem.
Não se advoga aqui nenhuma
negligência quanto às condições
fiscais de longo prazo. A reforma
da Previdência é importantíssima
para consolidar esse compromisso. Porém só isso não basta. A
única forma de reduzir a vulnerabilidade da economia, de criar
condições sólidas de solvência em
moeda forte e de induzir a uma
queda consistente do risco Brasil é
obter um superávit comercial expressivo ao longo do tempo, sob
uma taxa de câmbio continuadamente estimulante para as exportações. O convencimento por parte dos mercados de que a trajetória do superávit comercial será
persistente e crescente é indispensável para uma queda segura, significativa e não-reversível da taxa de juros doméstica. A queda
segura e não-reversível da taxa de
juros doméstica, por sua vez, parece ser a única opção consistente
para assegurar o equilíbrio intertemporal das contas públicas, visto que a sustentação de um superávit fiscal muito elevado por prazo indefinido se revela ineficaz do
ponto de vista econômico e indesejável do ângulo político e social.
Com efeito, a política macroeconômica herdada provoca efeitos contraproducentes: juros altos
e descontrole da taxa de câmbio
problematizam o endividamento
público, contêm e encarecem o
crédito privado e limitam severamente o crescimento da economia. Por isso uma opção que apenas priorize o imprescindível controle da inflação, sem que se articule uma estratégia firme de exportação e de substituição de importações representa, isto sim, o
continuísmo puro e simples da
política Malan-Cardoso. Ao contrário, um ajuste profundo e sustentado do déficit externo através
da obtenção de um superávit comercial crescente (próximo ou superior a 3% do PIB) viabiliza o
robustecimento das finanças públicas ao permitir a desdolarização da dívida mobiliária interna
e a redução do risco Brasil e dos
encargos de juros, tornando factível uma queda progressiva da relação dívida líquida do setor público/PIB. Por isso a política macroeconômica não pode perder de
vista a necessidade de fortalecer a
política industrial e de comércio
exterior. O casamento harmônico
de ambas é a solução para escapar da vulnerabilidade externa,
dos juros altos e do sacrifício fiscal
excessivo e estéril. É o único caminho para mudar e devolver ao Estado brasileiro autonomia sobre
os destinos da economia e capacidade para atacar a desigualdade
social.
Com efeito, sob a "globalização
das finanças", a solidez da posição externa de uma economia se
tornou um condicionante-chave
da autonomia para crescer. Países que têm balanços de pagamentos equilibrados ou superavitários, com boa posição de reservas cambiais, tornam-se mais
atraentes, pois podem crescer
mais a partir de taxas de juros
mais baixas, finanças públicas
equilibradas e fator de risco cambial bem mais reduzido. As reservas cambiais elevadas dão segurança aos investidores, fortalecem
as moedas nacionais (sem necessariamente apreçá-las) e fornecem um colchão para as fases de
aceleração do crescimento quando se potencializa a demanda por
importações de bens de capital.
No caso dos países em desenvolvimento, China, Taiwan e Coréia
do Sul são exemplos dessa condição. Ao contrário, os países com
persistente desequilíbrio em sua
conta de transações correntes,
sem uma posição sustentável de
reservas de divisas, ficam onerados por altas taxas de risco-país,
precisam manter taxas de juros
muito mais altas, crescem pouco
e, inevitavelmente, enfrentam deterioração fiscal e degradação social.
Resumo da ópera: o governo
precisa o quanto antes mobilizar
as cadeias setoriais da indústria,
dos agronegócios, dos serviços e
da mineração e, simultaneamente, criar consistência e envergadura para a política de desenvolvimento competitivo, viabilizando
condições adequadas de crédito e
de financiamento e redução de
riscos para concretizar uma nova
onda de investimentos em projetos de exportação e de substituição de importações.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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