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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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RECEITA ORTODOXA

Inflação replicante não cede, embora taxa básica tenha subido

Política monetária está em xeque, apesar dos juros altos

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

A resistência da inflação em cair, apesar das constantes elevações das taxas de juros, tem colocado em xeque a eficiência da política monetária no Brasil. Essa questão ocupa o centro do debate econômico no país recentemente.
A lógica por trás de uma política monetária restritiva, de alta de juros, é o combate ao descontrole inflacionário.
Em tempos de inflação, famílias e empresas preferem consumir e investir mais a ver seus recursos corroídos pela alta de preços. Para acompanhar o aumento da demanda, os preços sobem, podendo levar a um surto inflacionário.
O governo, então, lança mão de instrumentos de política monetária, que têm na alta de juros seu principal representante.
Quando a Selic sobe, provoca a elevação de todas as outras taxas de juros da economia. Assim, o crédito -fundamental para a viabilização do consumo e dos investimentos- fica mais caro.
As pessoas e empresas passam a evitar contrair financiamentos e se sentem estimuladas a aplicar seus recursos para lucrar com os juros mais altos. Menor demanda leva a uma redução dos preços.
Essa é a lógica por trás de uma política monetária restritiva em todo o mundo. O que muda é o grau de eficiência que os instrumentos de política monetária têm em cada economia.
O problema no Brasil é que desequilíbrios macroeconômicos fazem com que a eficácia da política monetária seja normalmente menor do que em outros países.
Em primeiro lugar, cerca de 60% da dívida interna brasileira é corrigida por taxas de juros pós-fixadas e de curto prazo.
A renda dos detentores dos títulos dessa parcela de dívida, portanto, aumenta cada vez que os juros sobem. Ou seja, o efeito do aperto monetário é, parcialmente, comprometido.
Os investidores acabam tendo dinheiro extra para consumir, em vez de se sentirem compelidos a poupar para recuperar a riqueza perdida (o que acontece quando a dívida é remunerada por taxas prefixadas que ficam defasadas quando os juros sobem).
Esse tema foi discutido em um estudo do economista Affonso Celso Pastore ("Por que a política monetária perde a eficácia?"), de 1996 e, mais recentemente, em um artigo publicado na Folha pelo também economista João Sayad.
Outro empecilho à inibição do consumo por conta da alta de juros, como lembra Octavio de Barros, economista-chefe do BBV Banco, é a pequena demanda por crédito no Brasil em comparação a outros países.
Esses problemas, somados a deslizes recentes, têm corroído a credibilidade da autoridade monetária, segundo Joel Bogdanski, atual gerente de política monetária do Itaú e ex-coordenador da equipe do BC que implantou o regime de metas de inflação.
Dois fatores principais contribuíram para isso: o não-cumprimento das metas de inflação em 2001 e em 2002 e a decisão do BC de passar a utilizar, a partir do ano passado, o conceito de meta ajustada, que muda ao sabor dos choques sofridos pela economia.
Segundo Bogdanski, para piorar, os cenários traçados pelo BC têm se mostrado cada vez mais distantes dos esperados pelo mercado. "Quando as expectativas do mercado começam a ficar contra o BC, o regime está morto."
A recuperação dessa credibilidade é considerada fundamental para que a eficácia da política monetária aumente.
João Luis Mascolo, economista e professor do Ibmec, lembra que outro passo fundamental para o controle da inflação é a realização de reformas que levem à redução da necessidade de financiamento do governo e ao aumento da sua credibilidade. "A credibilidade abalada levou o BC a ter de emitir moeda para se financiar, pressionando a inflação."



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