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TRABALHO
Taxas e impostos sindicais estimulam criação de entidades, em que o país é recordista; Estado não pode barrar
Reforma sindical também desafia Lula
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo de Luiz Inácio Lula
da Silva não tem como brecar a
indústria de sindicatos no Brasil
-ao menos por enquanto. Até
que a reforma sindical saia do papel, o Ministério do Trabalho tem
de cumprir portarias de administrações anteriores, normas da
CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho) e artigos da Constituição que impedem a intervenção
do Estado no setor.
O Brasil é recordista em número
de sindicatos. São cerca de 16 mil
no país. Ainda assim, o ministério
recebe quase cem pedidos de
abertura de novas entidades por
mês. Elas querem o registro porque só assim podem receber o imposto sindical obrigatório, além
de outras contribuições.
De janeiro até agora, foram feitas ao ministério 140 solicitações
de registro e de alteração nos estatutos de sindicatos. Nesse período, 42 novos sindicatos e duas federações obtiveram registros.
O governo está numa encruzilhada. Sabe que muitos desses pedidos são de sindicatos-fantasmas ou pouco representativos.
Mas, se a documentação apresentada está em ordem, respeita a regra de que só pode haver um sindicato por categoria e por região e
não há contestações de outras entidades, pouco o ministério pode
fazer além de conceder o registro.
"Existe uma máfia para a criação de sindicatos no Brasil. Desde
janeiro, estamos tratando dos registros com olhar mais crítico.
Mas, se o sindicato cumpriu o que
está estabelecido, não podemos
segurar a liberação", afirma Osvaldo Bargas, secretário de Relações do Trabalho do ministério.
Enquanto a reforma na estrutura sindical não acontece, o governo estuda algumas propostas para dificultar a obtenção do registro -como a criação de uma portaria com regras mais rígidas para
a abertura de sindicatos.
A Folha apurou que essa portaria deve estabelecer um percentual mínimo de sócios (cerca de
30% da base) para que o sindicato
obtenha o registro do ministério.
O Sindicato dos Bancários de São
Paulo, por exemplo, cumpriria essa regra -a entidade tem em sua
base 105 mil funcionários, dos
quais 50% são sócios.
A portaria também pode exigir
que a criação da entidade ocorra
em data acertada com o governo e
que os participantes da assembléia sejam identificados -com
CPF, RG, endereço e nome da empresa em que trabalham.
Seria uma forma, no entender
do ministério, de acabar com assembléias forjadas, que chegam a
ocorrer até em feriados, como no
Carnaval e no Réveillon.
Outra proposta dessa portaria é
dar registro provisório aos novos
sindicatos -o definitivo só viria
após dois anos. Nesse prazo, eles
teriam de comprovar sua representação e atuação em benefício
dos trabalhadores. Hoje, o registro pode sair em 60 dias após o pedido feito ao ministério.
"O ideal seria que os trabalhadores buscassem a unificação dos
sindicatos, e não a sua fragmentação. Com sindicatos mais fortes,
os empregados poderão ser mais
bem representados", diz Bargas.
O ministério quer discutir o
conteúdo dessa portaria com as
centrais sindicais o mais rápido
possível, assim como a ampla reforma sindical e trabalhista. Até
abril, deve ser formado o Fórum
Nacional do Trabalho, com trabalhadores, patrões e governo.
A idéia é discutir as propostas
de mudança até o final deste ano.
O que o governo petista defende é
a liberdade sindical -poderia haver mais de um sindicato por categoria e região- e o fim do imposto sindical. Na área trabalhista, uma das propostas é discutir a
redução da jornada de trabalho.
Mudar a estrutura sindical do
país não será tarefa fácil. "A reforma depende de uma revisão na
Constituição", afirma o advogado
trabalhista Luis Carlos Moro. É
que o artigo 8º da Constituição
mantém o imposto, a unicidade
sindical e ainda assegura a não-interferência do Estado no setor.
Na CLT, também há uma quantidade de normas que estabelecem regras desde a criação do sindicato até a obtenção de registro.
Existe ainda a portaria 343 de
2000, assinada pelo ex-ministro
do Trabalho Francisco Dornelles,
que, segundo advogados ouvidos
pela Folha, facilita a expansão da
indústria de sindicatos no país.
"Se o governo estabelecer uma
portaria para tentar brecar os sindicatos-fantasmas, estará adotando os mesmos instrumentos do
governo anterior", afirma Moro.
Para ele, para que se faça de fato
uma reforma sindical, é necessária uma grande discussão para alterar a Constituição e a CLT. "É
um tema complicado porque envolve interesses de muita gente
que depende da estrutura atual."
A criação de uma portaria que
proponha um índice mínimo de
sindicalização para conceder registro a uma entidade é, para o advogado trabalhista João José Sady,
uma forma equivocada de tentar
barrar a indústria de sindicatos.
"Com esse critério, o governo
não poderá prever de antemão
quem é sério ou não. Mesmo os
sindicatos mais tradicionais não
têm hoje um terço de associados",
diz Sady. Para ele, a saída é acabar
com o imposto sindical. "O dirigente nem precisa trabalhar porque tem a garantia de que o dinheiro vai entrar no caixa faça ele
ou não algo pelo trabalhador."
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